Em casa estava Carlos Cardoso. Quando Paulo Barata e Ana Músico o convidaram há três anos para participar no Sangue da Guelra (trabalhava então com Vincent Farges no Fortaleza do Guincho; antes tinha estado com José Avillez no Tavares), receberam dele a sua primeira “nega”. Ele explica porquê: “Na altura era mais novo [tem agora 34 anos]. Fazia muito a cozinha do chef e não tinha confiança suficiente para fazer um menu meu. O que é que eu ia fazer? A cozinha do meu chef? Não fazia sentido”. Depois veio para o Varanda, ao lado de Pascal Meynard, e “as coisas transformaram-se". "A carta é feita por mim e pela minha equipa. Há um chef executivo, que serve de filtro, mas há aqui um trabalho próprio. Já existe um caminho.”
Defende que “faz sentido criar um evento destes” para mostrar o papel fundamental de um “número dois”. “Os chefs estão sempre com grande destaque, e hoje em dia eles estão muito mais ausentes [das cozinhas]. O Paulo [Barata] apercebeu-se que os sous-chefs têm um papel imenso naquilo que se faz actualmente. Actualmente, temos sous-chefs muito poderosos, viajamos muito, a cozinha mudou imenso, temos outras influências. Isto é uma oportunidade para mostrar quem somos.”
Neste jantar, Carlos Cardoso mostrou que gosta de sabores frescos, especiarias e molhos picantes, como no primeiro snack que mandou para a mesa: peixe-galo com amêijoa, molho de shizou verde (erva da família da hortelã) e tabasco.
Peixe e marisco era um dado de partida e também isso o faz sentir em casa. “Sou de Cascais, sempre vivi naquela zona, e sou de uma família que cozinha muito peixe”. A isso junta-se a sua ascendência indiana, de Goa (a avó materna) e Moçambique (avô paterno), e as especiarias que vêm atrás. “Gosto da simplicidade dos produtos frescos e da época. E gosto de trazer um twist que à partida as pessoas não conheçam tanto”. Dá como exemplo a sua gamba rosa do Algarve, ostras, com yuzo, um citrino japonês, e sansho verde, uma especiaria japonesa também; ou o prato principal, de corvina com percebes: “Usei o myrth citronée, uma herbácea da família das citronelas, que é seca, e tem um sabor muito poderoso e muito fresco. Tinha também toranja macerada com estragão e cardamomo verde. Gosto muito de mandar vir um monte de especiarias e ver o que podemos fazer, trabalhar, testar”.
O que pretende mesmo é caminhar para a simplicidade. “Os cozinheiros hoje em dia têm muitas influências e querem mostrar muita coisa no mesmo prato: eu defendo três ou quatro elementos no máximo: simplicidade com muito sabor. Mas o mais difícil na cozinha é a simplicidade”.