Combinamos às dez da manhã, meia hora antes de a Companhia Portugueza do Chá, na Rua do Poço dos Negros, em Lisboa, abrir ao público, para podermos ouvir com calma as histórias do argentino Sebastian Filgueiras.
Assim, num cubículo na parte de trás da loja, enquanto Sebastian prepara um chá Darjeeling, conhecemos a primeira personagem da aventura extraordinária que tornou o chá uma das bebidas mais fascinantes do mundo.
“Robert Fortune era um botânico escocês, com quase dois metros de altura, que trabalhava para a corte inglesa e se disfarçou de mandarim para poder entrar na China e roubar as plantas do chá”, conta Sebastian, que se formou como tea sommelier e tea blender em Barcelona. “Fortune arriscou imenso. Um estrangeiro apanhado na zona proibida era condenado à morte.”
Conseguiu, no entanto, trazer as plantas necessárias para que os ingleses começassem as plantações de chá na Índia, em Darjeeling precisamente, e iniciassem um hábito de consumo pelo qual são conhecidos até hoje. Mas Sebastian — casado com uma portuguesa e desde 2000 instalado em Lisboa, onde abriu o Café Buenos Aires —, gosta de lembrar que pela mesma altura, cerca de 1840, também os portugueses andavam já às voltas com o chá, que, de uma forma ainda não totalmente clara, chegara aos Açores.
Mudamo-nos para outro cubículo, uma minúscula salinha de chá por trás de uma porta antiga encimada pela palavra Gabinete, nesta loja que mantém ainda toda a mobília de madeira do tempo em que foi uma sapataria, e, com as chávenas à frente, falamos desse chá especial que cresce nos Açores. “É um pouco um mistério. Há quem diga que as plantas teriam vindo pelo Brasil e que eram uma oferta do imperador chinês ao rei português. Seria uma grande dádiva porque o império estaria a abrir mão de um dos seus grandes segredos”, explica Sebastian. Outras versões indicam que a família açoriana Canto teria mandado vir as sementes, o que parece também pouco provável na época.
Seja como for, o facto é que a planta e dois técnicos chineses instalaram-se em São Miguel e o clima da ilha mostrou-se propício para o chá. “É uma planta que se adequa ao terroir. Nos Açores, por exemplo, a questão marítima é muito importante. E não ter muito sol é perfeito para o chá, que ali consegue ter uma personalidade própria.”
Uma das aventuras em que Sebastian se envolveu recentemente, depois da criação da Companhia em 2014, foi a da comercialização do chá branco dos Açores, produzido pela engenheira agrónoma Clara Estrela Rego do Serviço de Desenvolvimento Agrário, e que tem sido um sucesso. O que a Companhia Portugueza do Chá pretende é precisamente, numa altura “em que o chá está a voltar com muita força por todo o mundo”, trazer essa cultura antiga de volta a Lisboa.
Sebastian investigou e descobriu que no passado “todos os jardins de Lisboa tinham um pavilhão de chá, uma coisa muito orientalista”. Depois, a certa altura, dão entrada na Câmara muitos pedidos de licenciamento para transformar essas casas de chá em cafés. “O café acabou por ganhar”, diz, talvez por ser mais rápido e mais fácil de preparar.