Fugas - restaurantes e bares

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Crueldade e vingança, modo de servir

Por José Augusto Moreira

Só a genialidade de Luís Américo podia cozinhar um espectáculo assim. A escolha pode ser cruel, cautelosa ou medrosa e, além de fria, a vingança também se serve quente e morna. Manda o cliente e a experiência nunca desilude.

Senhoras e senhores, o espectáculo vai começar! Não é assim, mas bem podia ser. A pose teatral, o modo encenado e o tom quase declamatório com que os funcionários apresentam o conceito e as ementas logo remetem para o mundo dos palcos.

Não se trata, está claro, de uma qualquer encenação, mas o imaginário cenográfico está sempre presente. Desde logo no desenvolvimento dos menus, num interessante alinhamento em torno do nome dos restaurantes. Há um script, e se no Cruel domina a coragem, com opções entre medroso, cauteloso e cruel, são já as temperaturas que fazem as regras da Vingança.

A carta lembra que “é um prato que se serve: idealmente, frio; normalmente, morno; em desespero, quente”, mas as escolhas são do cliente. Sempre com opções triplas, para entradas, pratos principais e sobremesas, e para saborear em ambiente de partilha e degustação.

Mais que complementares, os restaurantes Cruel e Vingança são uma espécie de gémeos separados à nascença, o que fez com que abrissem portas em momentos diferenciados, se bem que na mesma rua e em portas contíguas. Separam-nos apenas as grossas paredes de granito de que foi feito o Porto antigo, mas têm o denominador comum na progenitora, a actriz, dramaturga e encenadora Marta Freitas, que lhes configurou o carácter, e também em Luís Américo, o cozinheiro de génio que os dotou de um conceito culinário cúmplice e complementar.

À experiência gastronómica, rica e diversificada, junta-se uma vivência divertida e dinâmica, que, de resto, não podia estar mais de acordo com o que se passa em toda zona da Rua da Picaria. Mais que estarem na moda, Vingança e Cruel fazem também a moda daquela animada zona do Porto turístico e moderno.

E mesmo que só tenha criado as cartas — tem várias outras cozinhas onde a sua presença é requerida — Luís Américo parece ter deixado equipas capazes e tecnicamente apetrechadas para uma cozinha criativa e de verdadeira fusão. Que cruza intensidades, ingredientes e temperaturas, técnicas e produtos do mundo com receitas e sabores da nossa mais pura tradição culinária.

Mesmo fria, a vingança tanto se serve em forma de terrina de leitão com maçã verde (6€), como num refrescante gaspacho (4€), em delicioso ceviche de garoupa (7€), ou num competente tártaro de salmão (7€). Na versão morna, as entradas vingativas tanto podem assumir a forma de rosbife com azeite de alecrim e lascas de parmesão (8€), como de um um requintado tataki de peito de pato com puré de alperces e cebola crocante (9,50€). Já na versão quente, é reconfortante o creme de ervilhas com raspas de ovo (4€) ou o camarão ligeiramente picante com manteiga de alho (7,50€).

A boa cozinha tradicional vinga-se em versão quente com novilho estufado, batata salteada e cebola caramelizada (16€), ou numa muito recomendável perna de leitão no forno com arroz de maçã e passas (15€), onde não falta sequer o rigor das pimentas que são, como se sabe, o segredo dos melhores sabores da Bairrada.

A competência culinária está também evidente no bacalhau escalfado com feijão preto e farofa de broa (14€), no salmão a 55º com puré de aipo e cogumelos (12€), ou nas sobremesas, que passam pela tarte Tatin de pêra com creme de baunilha (4,50€) ou a fria mousse ligeira de chocolate com creme delicioso de laranja (5€). É mesmo deliciosa!

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