Esta é uma história de amor. Entre o Tiago e a Mila, em Londres, na América do Sul, no Alentejo e em Lisboa. E que envolve frutas e legumes, queijos e vinhos, cafés e croissants numa rua em que o comércio é como um “aquário”: ali ninguém se “mata”. “Alimentam-se” antes uns aos outros e “tomam conta do ambiente” bairrista que os rodeia.
A Mercearia da Mila é um dos novos inquilinos da Rua de Santos-o-Velho, porta com porta com o “senhor Correia” ou com o “Armando sapateiro” que ali estão há décadas. Não se assume como uma loja de produtos orgânicos, mas a produção sustentável e biológica é um dos mantras dos fundadores, que lhe abriram as portas em Abril. Mas para contarmos a história desta casa, onde se pode tomar o pequeno-almoço, almoçar, lanchar ou abastecer a despensa lá de casa, precisamos recuar a 2010 e a Londres.
Tiago Rodrigues Jorge, hoje com 33 anos, chegou como um “imigrante económico à procura de melhor vida”, depois de lhe terem “quebrado o sonho” de ser jogador de futebol e de um curso tecnológico de jornalismo que de pouco lhe tinha servido. Começou por repor prateleiras numa loja de delicatessen e acabou a gerir a abertura das novas casas do grupo.
“Ninguém acorda de manhã e diz ‘Eu vou ser merceeiro’.” Sim, serão raras as pessoas que já pensaram nisso. Mas, ao começar a matutar na ideia de criar um negócio em nome próprio, foi a essa profissão que se colocaram novos sonhos.
“Assentar arraiais” em Santos
Nos “entretantos” da jornada em Inglaterra, que durou sete anos, Tiago encontrou Mila, a psicoterapeuta infantil que dá nome a esta mercearia. Casaram-se no Alentejo e decidiram, antes de “assentar arraiais”, embarcar numa aventura no lado de lá do Atlântico: viver um ano em Vancôver, no Canadá.
“Tratámos de tudo, vistos e etc. Eu ia estudar, a Mila ia trabalhar na área”, conta Tiago. Antes, embarcariam numa viagem com ponto de partida na Argentina e chegada ao Canadá. O regresso a Inglaterra estava marcado para um ano depois. E Portugal ficava fora dos planos.
Arrancaram pela América do Sul e, passados dois meses, as ideias mudaram. “Foram tantos os estímulos a que fomos expostos, não só em termos gastronómicos, mas das pessoas que conhecemos, dos negócios e da forma como eram geridos”, recorda o merceeiro, que a ideia do Canadá ficou pelo caminho. E não quiseram esperar mais tempo para se lançarem num projecto que seria feito à medida dos sonhos de ambos.
Londres tornou-se carta fora do baralho. Então, entre curvas e desvios, acabaram por chegar a Lisboa em meados de Fevereiro para abrir a Mercearia da Mila dois meses depois. Foi ali que decidiram “assentar arraiais”, mas sem querer “ser um objecto estranho à cultura do bairro de Santos”, um sítio com “alma” e “história”.
A mercearia veio dar cor e movimento à rua. “Não havia nada aqui. Nem o Heim, nem o Pintas [novos espaços que abriram na mesma altura]”, diz. Havia o “senhor Correia” que já lá está há mais de 50 anos, o “Armando sapateiro” que ali foi criado com o avô que fazia sapatos ou a pastelaria da Lenita. Estavam os “clássicos” que davam as boas-vindas às novidades. “Sentia-se que havia muita entreajuda, uma preocupação com o vizinho”, diz.