O sol começa a dar os seus primeiros sorrisos e, ainda com Agosto a comandar as hostes, demora pouco até sermos atingidos pelo calor seco que tradicionalmente invade a região por estas alturas. Os nossos passos são hoje dados por terras da Pampilhosa da Serra, concelho do distrito de Coimbra, e por aqui o calor não costuma dar tréguas logo a partir das primeiras horas destes dias.
Os céus, porém, até acabarão por revelar-se bondosos à nossa passagem: as nuvens aconchegam o passeio, presenteando-nos com prazenteiras sombras, e ainda conseguimos ser brindados por uns chuviscos de Verão que servem para realçar os cheiros fortes da serra, adocicados pelos frutos das figueiras, das videiras ou dos medronheiros. Já os campos de cultivo foram na sua maioria abandonados e hoje prestam-se a servir de paisagem a caminhantes oriundos um pouco de todo o mundo, que chegam em busca da genuinidade beirã que se revela quer na natureza, quer nas gentes ou sabores.
Estamos num território encaixado entre os municípios de Arganil e Góis (Coimbra), Covilhã, Fundão, Oleiros e Sertã (Castelo Branco) ou Pedrógão Grande (Leiria), um interior onde a genuinidade parece começar logo pelo trato: a cada passo que damos, por aqui ninguém nega a saudação, por isso o melhor é viajar apetrechado com muitos bons dias, boas tardes, boas noites.
Já os sorrisos não são imediatos, mas quando se abrem, abrem-se mesmo e não é de estranhar que a qualquer altura alguém lhe abra também a porta de casa (ou, mais frequentemente, da loja de casa, o piso térreo onde, tradicionalmente, se encontram as adegas ou os lagares). E, se isso não acontecer, em Fajão há sempre uma casa pronta a receber visitantes: o Museu Monsenhor Nunes Pereira (1906-2001) exibe não só um relevante espólio deste pintor como recria a vida na região - o antigo forno a lenha, que tanto dava para cozinhar como para aquecer as longas noites de Inverno, o prato da tiborna, que tradicionalmente servia para todos comerem, as camas pequenas enfeitadas com mantas de retalhos, o bacio debaixo da cama e, ao lado do leito, a bacia de pé em esmalte para lavar o rosto logo pela manhã e, dizem ainda alguns dos mais velhos, espantar os agoiros.
Fajão é terra onde o tempo passa devagar e por aqui ficamos a saboreá-lo. Povoação integrada na rede de Aldeias de Xisto, foi recuperada no âmbito desse mesmo projecto, num conjunto de obras que congregaram capitais públicos e o investimento de cada proprietário e que pôs a nu o xisto escondido sob o estuque e o cimento. A freguesia, noutros tempos sede de concelho, guarda algumas riquezas (recuperadas), caso dos antigos paços, que incluíam uma prisão, agora reconvertidos em pousada (apropriadamente baptizada de A Cadeia).
A meio da manhã da pacata Fajão, poder-se-ia pensar que nem uma folha bule. Mas não. E há fortes razões para isso. É que é dia de cabrito no Pascoal, o restaurante da aldeia (ex-Juiz), e por isso ainda o sol não vai a pique e já há rebuliço pelas ruas. "Se fosse segunda-feira", dizem-nos, "não se via vivalma". Razão evidente: é o dia de descanso do restaurante. Mas nós tivemos pontaria. Hoje é quinta-feira e as iguarias que se preparam atrás das paredes de xisto do Pascoal começam logo por conquistar-nos pelos aromas que invadem as ruas estreitas e íngremes da aldeia.