Fugas - Viagens

  • Camilo Azevedo
  • Ilha de Megaride
    Ilha de Megaride Camilo Azevedo
  • Igreja de San Cataldo
    Igreja de San Cataldo
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    Santa Sofia Camilo Azevedo
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Histórias do Mediterrâneo I: Cidades do mar, cidades do encontro

Diga-se, de passagem, que o melhor do Palácio são as suas vistas sobre os mares. No mais, impera o duvidoso gosto otomano. Mas aí se encontram várias colecções de fausto e poder. Uma das mais visitadas é o relicário. É estranho que o Islão, que nunca admitiu a figuração, se insinue pelos caminhos do paganismo. Mas mais singular ainda é que nesse relicário se encontrem não apenas os cabelos e dentes do profeta Maomé, como a espada do rei David... ou o bastão em que Moisés se teria apoiado para guiar o “povo eleito” em direcção à terra prometida.

Praticamente ao lado do relicário está o harém. Hoje, as pessoas associam os haréns aos árabes. Na realidade, a sua história é bem mais antiga e remonta aos gineceus gregos e romanos – os espaços da casa estritamente reservados às mulheres e seus guardiões, os eunucos. Os turcos de Otman não descobriram nada. Praticavam a poligamia mas desconheciam o harém. Este existia, isso sim, entre os imperadores Constantinos. Quando Methmet II conquista a cidade, a sua mãe, que era cristã, somou dois e dois e o harém otomano não é senão uma combinação de duas poderosas tradições do poder masculino. E no entanto... as mulheres vingaram-se. A grande maioria era europeia. E foi nos seus ventres que se geraram os califas. Aqui chegado, adivinha-se a conclusão: os califas eram filhos de mulheres europeias. Certo.

Assim como o corpo militar e administrativo do império otomano, recrutado nas aldeias e cidades da Europa, e educado em escolas especiais. Estes escravos ao serviço do califado, os janíssaros, formaram uma temível casta e eram tão “europeus” como qualquer um dos autores deste artigo. Quando em Istambul assistir a uma exibição de derviches, lembre-se que os rodopios estonteantes não são apenas de bailarinos. São uma dança mística que deve muito à história antiga que acabámos de contar.

Santa Sofia e a sabedoria
Mesmo ao lado do Topkapi situa-se a praça de Santa Sofia. Aí esteve, sempre, o centro. Ágora grega, Fórum romano e hipódromo bizantino, ainda hoje aí se concentra grande parte dos monumentos de uma História milenar. Da belíssima cisterna romana ao palácio do grão vizir, passando pela mesquita azul ou pelos obeliscos transladados do Egipto, a sugestão é que o visitante se concentre na mesquita que um dia foi igreja e se dedicou à sabedoria, ou seja, a Santa Sofia. Ela precede, em mil anos, as extraordinárias obras de Sinan, o arquitecto das mesquitas e minaretes que desenham o topo das colinas de Istambul. No seu interior disponha de todo o tempo. Aí se podem perceber algumas das diferenças entre decoração cristã e muçulmana. Com efeito, ambas usam materiais ricos. Mas enquanto a primeira os utiliza para diminuir a Humanidade ante a grandeza do Criador, a segunda faz da discrição um apelo ao recolhimento, ou seja, à relação directa entre crente e Alá. Estas duas almas ainda hoje coexistem na Turquia, um país inventado sobre os escombros do Império otomano nos anos que se sucederam à I Grande Guerra. Surpreenda- se ainda o leitor: tal como o califado no século XIX, também os militares que fizeram nascer a Turquia tinham os seus olhos postos na Europa. Era daí, da Europa, que vinham as ideias socializantes, a igualdade entre os sexos e a separação radical entre Estado e religião. Era até daí que vinha a ideia de que seria a ferro e fogo que se poderia impor o progresso... Istambul, como Lisboa, é uma cidade de luz. Tal é a magia que os reflexos das águas impõem à obra dos homens. É também a cidade dos momentos em que o Sol se esconde e em que o mais empedernido dos corações se enternece.

Os mosaicos de Chora
O mosteiro de Chora, a que os locais chamam a "mesquita da igreja", vale uma visita. É pequeno e tem frescos e mosaicos do século XIV, que o gesso dos conquistadores otomanos preservou até hoje. Se os frescos são "clássicos", já os mosaicos têm a singularidade de narrar os eventos bíblicos recorrendo aos evangelhos apócrifos. Como o tema anda na moda, é curioso ver como se ilustrava a infância e crescimento da mãe de Jesus, ao lado de outras histórias mais canónicas, como a da morte dos primogénitos decretada por Heródes. Mas pode-se ir sempre para lá da curiosidade e tentar perceber como foi nos mosaicos que melhor se espelhou a divulgação da nova fé entre os pagãos. O desenho e a palavra substituindo a literatura; e adaptando a nova fé aos preceitos e tradições pré-cristãs.


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Protegida pelos deuses

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