Fugas - Viagens

  • Camilo Azevedo
  • Ilha de Megaride
    Ilha de Megaride Camilo Azevedo
  • Igreja de San Cataldo
    Igreja de San Cataldo
  • Santa Sofia
    Santa Sofia Camilo Azevedo
  • Camilo Azevedo

Continuação: página 4 de 5

Histórias do Mediterrâneo I: Cidades do mar, cidades do encontro

Em pleno século XVII, os jesuítas ainda tentavam calcular o número de condenados ao Inferno. Faziam-no em Nápoles, onde as irrupções vulcânicas, as pragas e as catástrofes eram consideradas castigos de Deus. Dominada pela presença ameaçadora do Vesúvio, estas visões apocalípticas tinham tanto de sentido, quanto de ignorância.

O poeta romano Virgílio faz, na “Eneida”, uma descrição da boca do Inferno que corresponde rigorosamente à realidade dos Campi Flegrei, nas proximidades de Nápoles. Uma visita à sua Sulfatara, a principal cratera desta área, é suficiente para compreendermos como essa visão pode tomar formas reais num território abrasador onde impera um cheiro sufocante e de onde emanam jactos de vapor a temperaturas dignas do inferno.

Quem vive à guarda de um vulcão irrequieto, precisa de argumentos para ficar. Por isso, Nápoles tem todos os que a Natureza conseguiu imaginar. Estende-se sucessivamente em baías guardadas por montes e colinas. É uma espécie de Rio de Janeiro do Mediterrâneo, com toda a história deste mar.

O primeiro símbolo desta cidade é uma sereia, Parténope, que, diz a lenda, morreu de amores por Ulisses e por causa disso vagueou no oceano até dar à costa. Nápoles foi fundada há cerca de 2500 anos por navegadores e comerciantes gregos. O grego ainda era a língua franca nos séculos XI e XII.

O segundo símbolo de Nápoles é um ovo encantado, que se encontra no castelo que guarda a baía, na ilha de Megaride. O Castelo do Ovo abrigaria um ovo mágico que lá teria sido depositado pelo próprio Virgílio. Se alguma vez for danificado, a ilha e a cidade serão destruídas, assegura o mito... Mas nenhuma destas histórias fantásticas se compara à do sangue de São Gennaro,  um mártir do século IV. O sangue, guardado numa ampulheta, é um coágulo que todos os anos no santo dia do dito cujo, se liquefaz, como promessa e garantia de que a vida, afinal, continua...

Esta cidade, que ainda mantém a traça grega do seu casco velho, foi normanda, germânica, aragonesa, espanhola, e até austríaca. Mas Nápoles tem também a energia e a confusão das cidades dos novos mundos. Velho e novo convivem porta a porta. Os grandes palazzos aristocráticos do centro estão hoje divididos em apartamentos, alguns bem pequenos, adaptados ao gosto do locatário. Nas ruas, onde menos se espera, surgem pequenos sacrários com imagens de santos. Ou um presépio. Mas ao lado, pode estar a entrada de um café de jazz, um alfarrábio ou até um centro social autogerido por jovens alterglobais.

A Praça do Plebiscito é outra metáfora da cidade. Destinada a celebrar a restauração da monarquia, abalada pelas tropas de Napoleão Bonaparte, a mais ampla das praças de Nápoles foi concebida para exibir o poder. Hoje, é o lugar eleito para os casamentos. Aos domingos, aí e à beira-mar, ocorrem verdadeiros desfiles de matrimónios populares. Nápoles, protegida dos deuses, é, definitivamente, coisa antiga com futuro.

___

Histórias do Mediterrâneo I: Cidades do mar, cidades do encontro

Histórias do Mediterraneo II: O caminho das areias   

--%>