Fugas - Viagens

Na serra de Sintra há um mundo vivo debaixo dos nossos pés

Por Alexandra Prado Coelho

Olhar para o chão e treinar os olhos — só assim começamos a ver os cogumelos que se escondem entre a folhagem, mesmo debaixo dos nossos pés. Temos que ter com os cogumelos “uma relação predador-presa”, resume João Luís Baptista-Ferreira, professor da Faculdade de Ciências de Lisboa, especialista em micologia e autor, com Sofia Gomes, do livro "Cogumelos dos Parques de Sintra".

Tínhamos começado um breve passeio, debaixo da chuva que caía no sábado de manhã em Sintra, em busca de cogumelos em redor do Chalet da Condessa d’Edla, e, pouco habituados, já estávamos a espezinhar alguns dos cogumelos que tanto queríamos encontrar.

Mas não foi preciso ir longe para começar a vê-los. Há cogumelos logo ali perto do chalet de madeira e cortiça, discreto local de veraneio onde no século XIX o rei D. Fernando II se refugiava com a sua segunda mulher, Elise Hensler, Condessa d’Edla, antiga cantora de ópera. O professor Baptista-Ferreira conhece bem o terreno — durante um ano e meio, com a colaboração da bióloga Sofia Gomes, calcorreou os parques de Sintra em busca dos fungos e do seu lado mais visível, os cogumelos. Encontraram 156 espécies, 17 das quais registadas pela primeira vez em Portugal.

Baptista-Ferreira contou no sábado como tudo começou. Um dia, entrou num dos parques em busca de cogumelos, e encontrou um dos responsáveis dos Parques de Sintra-Monte da Lua. Quando esperava uma chamada de atenção por estar a recolher cogumelos sem autorização, recebeu um convite que o deixou surpreso: não quereria ele estudar a zona e inventariar as espécies de cogumelos ali existentes? Aceitou imediatamente.

Para António Lamas, presidente do conselho de administração da Parques de Sintra, este é um projecto que vem de trás e que terá continuação, porque começou com o estudo das árvores, passou para os fungos e irá prosseguir com os líquenes.

Agora, quem quiser, pode aventurar-se por entre as árvores com o livro na mão e seguir as instruções para tentar identificar os cogumelos que for encontrando. Com sorte talvez veja um como o da foto de capa do livro, uma série de discos encaixados num tronco de árvore, com linhas de várias cores, como se tivessem sido pintadas com um pincel fino.

Mas há muitos outros. Um escuro, que mal se vê entre as folhas, pode ser um peziza saniosa, e é um dos registos novos para Portugal encontrados por Baptista-Ferreira; outro em forma de taça e cor laranja viva poderá ser uma aleuria aurantia; os mais clássicos, com chapéu muito redondo e a zona por baixo, onde estão os esporos, de consistência esponjosa são, em princípio, boletos, muito apreciados pelo seu valor culinário. O livro dá uma série de pistas que permitem identificá-los com algum grau de segurança.

No entanto, o especialista aconselha a que os curiosos não arrisquem e não colham sozinhos cogumelos para comer. Apesar de só na sequência deste trabalho ter sido feito o seu registo em Sintra (o livro identifica 65 espécies registadas pela primeira vez naquela zona), o facto é que o mais assassino de todos os cogumelos, o amanita falóide, existe aqui por entre o arvoredo dos belíssimos jardins da condessa. Alguns podem ter crescido formando um círculo, que é chamado de roda de bruxas, outros são pequenos tufos que lembram mais corais do que cogumelos.

“Em Portugal, embora o interesse esteja a crescer, não há uma cultura em que as pessoas vão para o campo e conhecem”, diz Baptista-Ferreira. “Mas os cogumelos são um recurso natural sustentável, e em Portugal temos variedade e, sobretudo, uma muito boa qualidade”. O problema é que as fábricas de transformação (embalamento, etc.) que existiam passaram para o lado espanhol. “Não estamos a aproveitar aquilo que poderia ser uma mais-valia para nós”, lamenta o professor. E muitas vezes estes cogumelos acabam a ser vendidos, por exemplo em Itália, como produto do país. Uma coisa que pode ajudar, e que é um projecto em que Baptista-Ferreira estava a colaborar: a certificação dos futuros apanhadores.

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