Milhares de quilómetros depois, feito quase cumprido, roubaram-lhe a bicicleta em Sines. No Facebook ainda se gritou “Devolvam a bicicleta ao chinês”. Nada. Mas, há dias, um sorridente Feng recebeu na sua China nova pedaleira, enviada de Portugal. “Um testemunho de amizade”, diz
Foi um daqueles momentos fatídicos. Faltavam poucos quilómetros para Eric Feng terminar a sua viagem, que o levou, sempre a pedalar, da China a Portugal. Feng quis unir a memória de dois navegadores, cruzando países em prol das energias sustentáveis. Por isso, desde Abril, percorria a Eurásia. Subiu a terras tibetanas, atravessou a Rússia e os países do Báltico, apaixonou-se pela Alemanha, detestou a França, rodopiou por Espanha, chegou, por fim, a Portugal. E, em terras de Vasco da Gama, leia-se Sines, a duas pedalas da meta, roubaram-lhe a companheira leal de quase 15 mil km. Roubaram-lhe a bicicleta e este poderia ter sido o fim, quase inglório, quase anedótico, da aventura.
Mas o fado de Portugal haveria de marcar toda a odisseia não só com o pior mas também com o melhor. Amigos portugueses emprestaram-lhe uma bicicleta e Feng cumpriu o seu destino. Em Outubro, pisava o Cabo da Roca, tornando o seu “primeiro sonho realidade”. Haveria de voltar para a China sem bicicleta para guardar memórias, tornando o final da história um pouco menos feliz. Mas o mundo é como a roda de uma bicicleta…
De como Zheng He e o Infante Dom Henrique se tornaram partida e meta
Natural da mesma cidade no Sul da China, Eric Feng sempre foi um grande fã de Zheng He, “navegador pioneiro do mundo oriental” que desbravou os mares do sueste asiático há seis séculos. Em 2009, o guia turístico descobriu um outro navegador que, quase pela mesma altura, inaugurava as descobertas do outro lado do globo: o português Infante D. Henrique. “Foi o fundador do sistema de navegação ocidental e percursor da escola náutica europeia”. É ele que no-lo lembra, em conversa com a Fugas entre Portugal e China. Com uma paixão crescente pelos dois desbravadores de mares, Feng decidiu que a melhor forma de homenageá-los seria uni-los também numa odisseia, transformando-os em ponto de partida e de chegada. E assim criou um caminho entre a sua cidade, Kunming, e o Cabo da Roca.
No entanto, se Zheng He e o Infante ligaram o mundo pelo mar, Feng decidiu fazê-lo por terra, de bicicleta, numa demanda em prol, também, das energias sustentáveis. “600 anos depois, o mundo está unido economicamente e por isso temos os mesmos problemas, como o aumento da poluição e o desenvolvimento demasiado rápido”, conta-nos. Mais que fazer cicloturismo, Feng, de 29 anos, pretendia apelar à proteção ambiental. Por isso, pedalou. “Penso que a bicicleta é um bom meio para promover as energias sustentáveis, porque sou eu que produzo a energia que me faz movimentar e não crio qualquer poluição”.
De como dos planos se passou à odisseia
Depois de três anos a juntar dinheiro e a treinar, fez-se à estrada no Dia Mundial da Terra (22 de Abril), atravessando dez países em 188 dias. Ainda não tinha cruzado a primeira fronteira quando pensou em desistir: no Tibete e em Xinjiang teve de pedalar por estradas sem uma única povoação por perto. Eram “só carros a ultrapassarem-me a alta velocidade, muito frio e vento”. Nestas áreas montanhosas, onde o alcatrão contorna turbinas eólicas, “todos os dias tinha de pedalar contra o vento”.