Pérola da cultura Lanna
Na cidade e arredores há umas três centenas de edifícios religiosos, cuja arquitectura data dos tempos do reino de Lannat’ai, o que significa que alguns remontam à época em que Fernão Mendes Pinto viveu no Sião. Os templos, dispersos pela malha urbana, têm particularismos que os distinguem de outros da Tailândia, como a predominância doschedis (as stupas budistas) de base octogonal, com rica ornamentação em madeira esculpida e mosaicos coloridos.
O mais antigo santuário budista de Chiang Mai é o Wat Chiang Man, que data de finais do século XIII, verosimilmente do tempo da fundação da cidade. A stupa, de cúpula dourada, tem na base, a toda a volta, fileiras de elefantes esculpidos em pedra, sobre os quais parece assentar. O templo é bem representativo da arquitectura Lanna, com a fachada em madeira cinzelada com motivos geométricos, ilustrados a ouro. Guarda a que é tida como a mais antiga imagem de Buda de Chiang Mai.
Há outros templos nas imediações, como o Wat Chedi Luang, cuja stupa está meio arruinada, supõe-se que em consequência de alguma guerra, possivelmente no século XVI, como aquela em que participou Fernão Mendes Pinto. Foi dali que foi levado para Banguecoque, para o Wat Phra Kaew, o célebre Buda da Esmeralda. Conserva-se uma representação de um Buda deitado, figura que Fernão Mendes Pinto encontrou também no Martavão e à qual se referiu como sendo a do “deos do dormir”.
A uns quinze minutos a pé há outra visita imprescindível, a do templo Wat Phra Singh, jóia da coroa da arquitectura Lanna. É dos mais antigos edifícios religiosos do norte do país, datado de meados do século XIV, dois séculos antes da passagem de Fernão Mendes Pinto pelo Sião. Descrever a arquitectura do Wat Phra Singh e de outros templos do budismo theravada, a religião de 95% da população tailandesa, requer um bom punhado de páginas. Pinto fê-lo com minúcia, espanto e admiração. E, parece, com a intenção simultânea de realçar a complexidade e o fausto da civilização que ali foi encontrar, tão ou mais sofisticada que a europeia.
A pouca distância da cidade encontramos um dos templos mais importantes do Norte da Tailândia, o Wat Phra That Doi Suthep. Chegamos lá a bordo de um sorngtaaou, um táxi colectivo. Após a subida, sinuosa, há que galgar uma escadaria ornamentada com milhares de mosaicos até ao templo. Ao lado, uma escultura de um elefante branco assinala o carácter sagrado do lugar. Ali se finou, em tempos, um elefante branco que transportava uma relíquia de Buda. Os elefantes brancos do Sião eram animais raros e foram, várias vezes, alvo de cobiça de soberanos da vizinha Birmânia. Abundam curiosíssimas histórias a propósito de elefantes brancos, algumas contadas por Fernão Mendes Pinto e por Sebastião Manrique, um frade agostinho natural do Porto que passou parte da vida no Chatigão (Bangladesh, na actualidade) e deixou uma narrativa das suas atribuladas viagens por terras que pretendia evangelizar.
Além dos cursos de massagens e de meditação, o mercado nocturno é, na geografia da animação da cidade, outro pólo de atracção de turistas, o que faz dele um espaço assaz plastificado. Alternativa salutar é estar com atenção a celebrações normalmente não anunciadas aos viajantes. Os forasteiros, que aí se contam com os dedos de uma só mão, são bem-vindos, numa expressão de espontânea hospitalidade semelhante àquela que Fernão Mendes Pinto constatou e que fez contrastar, subtilmente, com a postura intolerante e evangelizadora do Cristianismo quinhentista. O viajante trânsfuga que se abeire de uma dessas celebrações acaba convidado para um chá e para uma prova da doçaria da festa, com música de fundo interpretada em instrumentos tradicionais, tudo isso sem a algazarra ruidosa e a babilónia de gente do mercado nocturno.