Fernão Mendes Pinto elogiou, em mais do que uma passagem da Peregrinação, a tolerância religiosa do reino do Sião, onde os portugueses beneficiaram de liberdade de culto e edificaram igrejas. O retrato que o grande viajante português do século XVI fazia daquelas paragens exaltava muitas qualidades culturais do Sião, a par, naturalmente, de relatos materialistas das oportunidades mercantis. Afinal, foi por tais razões que se fizeram as caravelas ao mar: “Há mais, neste reino, muita pimenta, gengivre, canela, canfora, pedrahume, canisfistula, tamarinho e cardamomo em muito grande quantidade, de maneira que bem se pode dizer e afirmar com verdade (…) que é este um dos milhores reinos que há em todo o mundo…”
O Triângulo Dourado e outras curiosidades de fronteira
As províncias de Chiang Mai e de Chiang Rai estão encravadas entre o Laos e a Birmânia e a distância das principais vias de comunicação favoreceu a preservação de modos de vida e identidades culturais. A região continua a acolher um mosaico excepcional de povos e culturas (chamam-lhes, hoje, as “tribos da montanha”), um mundo essencialmente rural, habitado por minorias étnicas Karen, Hmong, Lahus, Mien e Akha, ameaçadas pela desflorestação, pela pressão sobre as terras aráveis da região e pelo turismo.
Chiang Rai, onde podemos admirar alguns templos de fundação anterior à passagem de Fernão Mendes Pinto pela região, é o ponto de partida ideal para se chegar à zona do Triângulo Dourado, na confluência das fronteiras da Birmânia, Tailândia e Laos. Trekkings pelas montanhas (incluindo as áreas protegidas dos parques nacionais Phru Kradung e Doi Inthanon) e incursões de barco pelo Mekong são algumas sugestões no domínio do ecoturismo.
O Triângulo Dourado foi tomado pelo turismo de massas, mas não é impossível ao viajante furtar-se a pontos críticos. Sop Ruak é um dos locais a evitar ou a visitar de forma meteórica e apenas pela vista da confluência dos rios Mekong e Ruak e dos territórios confinantes dos três países. Em Mae Sai uma volta pelos mercados pode ser uma experiência interessante, tanto pela variedade da mercadoria como pela possibilidade de atravessar o Mekong e obter no povoado birmanês de Tachilek um passe de um dia para visita ao trecho fronteiriço do país vizinho.
O percurso de Mai Sai a Chiang Khong, onde se pode tomar um barco para entrar no Laos e navegar até Luang Prabang, pode ser feito por terra, embora seja mais interessante navegar ao longo do Mekong. A atmosfera de Chiang Khong e da aldeia de Ban Nomg Pheu confirma a porosidade das fronteiras sempre que há afinidades culturais entre comunidades que habitam ambos os lados. A meio do caminho está Chiang Saen e os seus dois museus dedicados ao tema da cultura do ópio. Neles se conta a história do Triângulo Dourado e fica o viajante a par da importância que o cultivo da papoila teve para as populações locais.
O turismo (ou o tão pós-moderno etnoturismo) que programa visitas a “comunidades étnicas” comporta riscos complexos, que os viajantes devem ter em conta. Os mais sérios são a descaracterização dos modos de vida e da relação das populações com o meio ambiente, a desagregação social, a ruína de valores e a erosão rápida das identidades culturais. O risco de fabricação do “autêntico simulado” para embevecer os turistas está bem traduzido na fala de um “guerreiro” masai, citado por George Monbiot: “Nós deixámos de ser quem somos e estamos a tornar-nos naquilo que parecemos”. Ou seja, mais parecidos com as imagens dos folhetos turísticos, com o que os turistas desejam ver e fotografar. Uma visita ao Hilltribe Museum, em Chiang Rai, pode constituir uma boa introdução a estas e a outras questões, assim como à história da cultura do ópio na região.