Dados manifestamente insuficientes para que tenha criado qualquer memória das paisagens galesas no filme da minha infância. Mesmo enquanto adulto, exceptuando as referências a nomes como Ryan Giggs e Christian Bale, o rei e o príncipe dos relvados galeses, Ken Follet, um dos barões dos best sellers e actores como Anthony Hopkins, Catherine Zeta-Jones ou Timothy Dalton, o James Bond que ninguém se lembra que o foi, o País de Gales nunca passou para mim de um destino quase inexistente. Provavelmente à semelhança do que acontece com o resto do mundo.
A minha primeira vez
Assim que entrei no First Rail Western comecei de imediato a separar os ocupantes entre galeses e ingleses. Apesar dos muitos traços em comum, sobretudo aquela expressão de quem regressa a casa depois de um dia de trabalho, revelou-se um passatempo certeiro para a viagem, de tal forma que nem sequer me apercebi de que entretanto havíamos cruzado uma fronteira (não há fronteiras, naturalmente) e entrado num novo país. Numa outra realidade.
Foi a um galês típico, pelo menos o tipo de galês que sempre idealizei, que fiz questão de me dirigir assim que saí da estação.
- Sabe onde fica um hostel chamado Riverouse?”
- Sorry?
- Riverouse?
- Sorry.
- Um hostel chamado Riverouse... Fica junto ao rio.
- Ouse? O que é isso?, desculpe mas não estou a perceber.
- Ouse, OUSE... Não sabes o que raio significa casa?
- Ah... house?!
- Desculpe, não pronunciei de forma correcta.
- Não tem mal, eu é que peço desculpa. Basta passar o estádio, atravessar a ponte e virar à direita. Fica a apenas cinco minutos de distância.
Se todas as viagens guardam algo de marcante — ideia com que estou em total desacordo, ainda que já tenha ouvido esta “teoria” defendida por gente que muito prezo —, talvez ter ficado alojado pela primeira vez num hostel seja esse momento para mais tarde recordar. Daqui a alguns anos é possível que venha a esquecer-me por completo dos passos dados ao longo das 24 horas que tão lenta e diligentemente agora reproduzo, continuarei, porventura, a recordar-me de que centenas de hotéis, resorts, turismos rurais, guesthouses, bed&breakfast, tendas de campismo, cadeiras de aeroporto, sofás e bancos de jardim depois, cedi por fim à tentação de partilhar o quarto com desconhecidos. Não adianta aventar as razões que me levaram a ter adiado esta experiência até tão tarde, mas foi assim que aconteceu.
Antes de dormir fui, contudo, comer qualquer coisa ao The Prince of Wales, pub sugerido pelo rapaz da recepção. Um simpático britânico que me levou a questionar uma vez mais essa verdade insofismável de que ninguém sabe receber melhor do que os portugueses. Foi a pensar no assunto que fiz os cinco minutos de percurso. “Vá em frente, vire à esquerda, passe pelo estádio e fica do lado direito. São apenas cinco minutos a pé.” Ao contrário de Bristol, onde os minutos se transformam em horas, os habitantes de Cardiff parecem saber ao certo a dimensão da sua cidade. Pedi-lhe que me indicasse um local tipicamente galês que não fosse muito caro. Não sei como é um local tipicamente galês — parece-me, ainda assim, não ter sido enganado.