- Sorry?
Desta feita o espanto foi meu.
- Tem a certeza?
- Tenho.
Fui mais uma vez à Internet, agora incentivado pelo próprio.
- O estádio tem wireless grátis e não precisa de password.
Cardiff ocupava, de facto, um surpreendente e honroso sexto lugar de uma lista que abria com os lagos e as paisagens de Muskoka, na província canadiana de Ontário, e fechava com as praias da Istria, na Croácia. Abaixo de Cardiff locais como o arquipélago de Roatan, nas Honduras, considerado um dos últimos segredos do mar das Caraíbas, e os Açores. Sim, os nossos Açores.
- Eu não viria passar férias para aqui no Verão, mas eles é que sabem.
Ao contrário do que possa ser expectável, a descoberta emprestou-me uma certa sensação de desconforto. Estava em Cardiff quase por acaso, de passagem, a correr (ainda que sem pressa alguma para ver o que quer que fosse), crente de que além dos galeses, dos britânicos e de meia dúzia de viajantes com prioridades e bússolas trocadas ninguém ligava nenhuma à cidade e agora via ainda mais reforçada a obrigação de fazer alguma coisa. De ter que cumprir o meu dever não só enquanto turista, mas também enquanto jornalista. Combinação que dificilmente dá bom resultado. Pelo menos comigo.
Durante alguns minutos e meia dúzia de ruas ainda empunhei com firmeza o caderno de apontamentos e a máquina fotográfica, mas logo desisti de fazer uma reportagem sobre a cidade, até porque era quase meio-dia e não tardava a noite voltaria a cair.
Passeei durante mais quatro horas, é um facto. Passei pelo renovado porto, Cardiff Bay, uma área com cerca de 200 hectares desde sempre ligada ao carvão que as autoridades locais gostam de referir como um dos mais bem sucedidos projectos de reconversão no Reino Unido, repleto de espaços de restauração e lazer, entre eles o Wales Millennium Centre, sala de espectáculos com capacidade para cerca de duas mil pessoas; passeei pelo mercado, na St. Mary Street, um bonito edifício vitoriano construído em 1891; passei pelo Castelo, um entre os muitos do país, este datado do século XI; passei na nova e Cardiff Central Library, inaugurada em 2009, onde jurei voltar um dia com mais tempo, promessa vã que, ainda assim, serviu para apaziguar a culpa perante a impossibilidade de mergulhar em tanta e tão boa literatura, mesmo sabendo que o meu inglês não me deixaria desfrutar na plenitude um único livro, quanto mais 90 mil; passei e passeei-me ainda por mais dois ou três distintos edifícios e cuidadas ruas dos quais fui incapaz de reter o nome; comi uma salsicha grelhada numa banca de rua e provei o típicoWelsh rarebit, pão tostado com queijo derretido por cima; fiz tudo isto e muito mais (não fiz nada, é só uma força de expressão) — não me perguntem, contudo, se Cardiff valeu verdadeiramente a pena.
Quando olhei para o relógio já eram 16h30. Regressei ao estádio, sentei-me num lugar que fingi ser meu desde sempre e assisti a disputado jogo de râguebi entre duas equipas amadoras. O primeiro jogo de râguebi da minha vida.