O arquitecto fala em edifícios isolados. Refere a intervenção que está a ser feita no Witney Museum pelo italiano Renzo Piano; aponta o Hotel Americano, edifício em Chelsea, da autoria do mexicano Enrique Norten; lembra a torre de Frank Ghery, chamada New York; um edifício de habitação de luxo, na City; a intervenção que aproveita uma linha de caminho de ferro abandonada e fez um passeio que travessa o bairro de Chelsea, o High Line; e recua um pouco no tempo até ao New Museum, na Bowery, um projecto de 1977 dos japoneses Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa… São singularidades de uma cidade que Pedro Gadanho gosta mais pelo conjunto do que “pela excepcionalidade arquitectónica dos últimos anos”.
A comida
Há uma explicação social ou económica ou política. Ou seja, há um contexto que explica o que Pedro Gadanho chama de um comodismo. Já lá vamos. As cidades têm paragens obrigatórias. É preciso passar pela modernidade cinematográfica, entretanto. Ainda o cinema. Outra vez na vizinhança, nas pequenas rotinas. Não comenta a intervenção que reacendeu a polémica entre urbanistas e arquitectos sobre a obra que prevê o derrube do American Folk Art Museum, mesmo ao lado do MoMA, para ampliar o espaço do museu. A decisão apaixona nova-iorquinos, mas sobretudo muita opinião pública internacional, como se o MoMA fosse mais do mundo. E não é? É para lá que Pedro Gadanho caminha diariamente, saído do metro, e sente-se num filme de Jacques Tati sempre que percorre a Sixth and a Half Avenue, a passagem pedestre, em Midtown, que liga as ruas 57 e 51. “Todas aquelas pessoas no frenesim do pequeno-almoço a correr para o trabalho levam-me para esse ambiente.”
São os atalhos de quem vai conhecendo a cidade onde vive, truques para encurtar distâncias, fugir ao frio ou ao calor de Julho e Agosto. “As coisas boas dos edifícios das corporações”, ironiza, falando dos muitos espaços privados que os nova-iorquinos usam como caminhos públicos. Ele incluído. Mas será sempre um homem em passagem. “Nunca tinha vindo muito a Nova Iorque. Duas vezes apenas. Uma das viagens que fiz foi logo a seguir ao 11 de Setembro e vi uma cidade muito deprimida. Não me apeteceu regressar tão depressa”, conta, voz pausada, sem pressa de chegar a um fim, como quem explora uma geografia tanto mais apetecível quanto fora de circuitos mais conhecidos, partilhada na intimidade de um segredo de amigos. Vão havendo segredos em Nova Iorque. Os brunches aos domingos em casa de amigos, uma ida a um restaurante que se percebe, depois, serem vários, à medida que se passam portas, um mercado onde há alguém que faz um prato especial aos fiéis.
Sim, a comida. As novidades e os obrigatórios, as descobertas. A Taqueria La Esquina, em Kenamare Street, o Freemans, em Lower East Side, o Maison O, japonês também em Kenmare, a descoberta dos power lunches, terminologia associada aos almoços de negócios inaugurados pelos frequentadores de Wall Street, de que o Modern, o restaurante do MoMA, é um dos mais emblemáticos, como o Americano. Almoços quase tão calóricos quanto prolongados. E o Jacob’s Pickles, para brunches fora de casa, em Upper West Side. São paragens de uma conversa com um caminhante. É outra das circunstâncias de Pedro Gadanho em Nova Iorque, um homem que caminha pela cidade e tenta perceber quantas cidades podem existir, por exemplo, numa avenida, não só pela nacionalidade de cozinhas que se encontram. Gosta de seguir a linha recta dessas longas estradas que atravessam a ilha de Manhattan, ir pela Sexta, como quem finta a falta de surpresa e as multidões da Quinta, atravessar a Ponte de Brooklyn sem olhar para o relógio, “sair de manhã e chegar a meio da tarde”, cinco, seis horas a andar, chegar a Red Hook, parar na paisagem portuária, cruzar Williamsburg e chegar a Greenpoint, o bairro mais a norte de Brooklyn, ser um ponto numa geografia que permite ser-se quase o que se quiser. Essa possibilidade libertadora da claustrofobia que pode ser uma cidade habitada por oito milhões de pessoas onde estão os mais pobres e os mais ricos.