Fugas - Viagens

  • Agostinho Gonçalves, 76 anos, da aldeia de Malhapão de Baixo, é um bom contador das histórias que fazem as paisagens agrestes da serra do Caramulo
    Agostinho Gonçalves, 76 anos, da aldeia de Malhapão de Baixo, é um bom contador das histórias que fazem as paisagens agrestes da serra do Caramulo Renato Cruz Santos
  • Caramulo
    Caramulo Renato Cruz Santos
  • Os antigos sanatórios são agora repositórios de memórias dos tempos em que o Caramulo era uma estância vanguardista
    Os antigos sanatórios são agora repositórios de memórias dos tempos em que o Caramulo era uma estância vanguardista Renato Cruz Santos
  • Renato Cruz Santos
  • Renato Cruz Santos
  • Museu do Caramulo
    Museu do Caramulo

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Caramulo, a montanha mágica

Estivera melhor o tempo e os vestígios antigos desta terra oferecer-se-iam à descoberta. Ocupada desde a Pré-História, foi poiso de romanos e viu o país crescer. Gravuras rupestres (em Molelinhos), antas (Arquinha da Moura), menires, calçadas romanas salpicam a paisagem. E numa região onde a vida ainda passa pela terra, reencontramos artes antigas, recuperadas com sortes diferentes. Para turista ver estão os moinhos hidráulicos de Souto Bom (por estes dias com os acessos que debruam as ravinas danificadas pelas intempéries), parte do projecto Ambientes do Ar. Na aldeia de Múceres é ao linho que se dá (nova) vida na antiga escola primária transformada em Centro de Laboração, que é como quem diz, espaço de exposição (e de compras) e de atelier, onde se pode assistir a todo o trabalho do seu ciclo.

O barro negro de Molelos teve outro destino que não o da musealização. É verdade que o número de artesãos diminuiu radicalmente — de mais de cem no início do século XX, conta Xana Monteiro, para cinco olarias actualmente — mas a sua média de idades, entre 30 e 50 anos, coloca a arte em situação de boa saúde. Sobretudo se o compararmos com o outro centro nacional de barro negro, Bisalhães (Vila Real), onde o oleiro mais novo tem mais de 70 anos.

- Trabalhava na ACERT e tinha contacto com oleiros. Comecei a interessar-me e andei a aprender com um deles quando surgiu a possibilidade de fazer um estágio em Itália.

Quando voltou, Carlos Lima já sabia o que ia fazer. E fá-lo há 27 anos; há 24 com Xana, que não duvida: “Quem vem para a cerâmica negra ou é por família ou por gosto. Mas todos sabem que é para sobreviver apenas.”

Na oficina que ambos partilham, a Barraca dos Oleiros, a grande desmistificação: o barro não é negro, é cinzento — é a cozedura, fechando o forno apenas com carbono, que lhe dá essa cor; de outra forma, sairia vermelho claro. Mas o brilho que vemos nas peças em exibição (e vimos na noite anterior à mesa de jantar — diz-se que a comida tem melhor sabor quando cozinhada em barro negro) é produto de polimento.

- Com pedras do rio, algumas são centenárias, são passadas de geração em geração.

E tem formas diferentes consoante o uso.

- Temos de polir sempre para o mesmo lado, se não fica contraluz, vê?

É Xana quem demonstra, em pequena “rodela” de barro, com movimentos delicados. A dupla agora afastou-se dos motivos tradicionais (como as bilhas do segredo) e passou a criar as suas próprias peças, mais vocacionadas para coleccionadores. Depois de polidas, as peças são decoradas com as “pintadeiras”, espécie de agulha gigante tradicional daqui, e no final são vendidas aqui ou em feiras.

Ou então vão parar ao Museu de Terras de Besteiro, em Tondela. Num antigo solar, as memórias destas paragens estão preservadas, numa exposição que recorre a novas tecnologias — incluindo lúdicas: veja-se a Wii incorporada numa besta para jogos de tiro — que resume vários milénios de evolução. Aqui revemos os dois últimos dias e vemos o que gostaríamos de ter visitado — por exemplo, afinal, acabamos por entrar na Anta da Arquinha da Moura, cuja reprodução, a porta de entrada para exposição, inclui as pinturas rupestres que ainda exibe. Artefactos do Paleolítico e Neolítico, vestígios romanos e românicos transportam-nos no tempo até à industrialização, sem esquecer artes que já foram quotidianas mas agora são quase inexpressivas, como a latoaria, a funilaria e a cestaria.

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