Fugas - Viagens

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Belém: Vamos comer o Pará

Quando ele começou deparou-se com esse preconceito. “Logo no início do nosso trabalho, a gente fez um jantar numa importadora de vinhos e um dos clientes, quando fez a reserva, pediu o cardápio. Quando leu, cancelou a reserva, dizendo ‘tapioca, eu como na feira’. O cara não imagina que a gente trabalha a tapioca de outras formas, por isso na cabeça dele não tem valor. Isso hoje já mudou muito. Pelo facto de muita gente estar usando ingredientes de uma boa forma, e fora do Pará, o próprio Pará começou a entender que temos coisas a que devemos dar muito valor.”

Thiago e Felipe fazem esse trabalho desde o início. “O nosso trabalho tem vários momentos. Há um momento em que a gente pesquisa e lê muito. Tem a parte de pesquisa de campo quando a gente vai numa comunidade para ver como se consome”, conta. “Eu sou muito novo, tenho uma vivência diferente do meu pai, que viveu o interior, pescou. Eu nunca precisei de pescar na minha infância para me sustentar. Estou cada vez mais querendo viver isso para entender. Isso influencia a criação de um prato.”

Quando diz que o pai “viveu o interior”, Thiago quer dizer que ele conhece bem as gentes ribeirinhas, que vivem para o interior do Pará. É para aí que ele viaja agora, à procura de novos ingredientes, de técnicas, de histórias — porque, diz, tudo isto não faz sentido sem as histórias das pessoas. “Muitas vezes, o que a gente coloca num menu de degustação não é mais do que um prato tradicional do interior do Pará, um modo de fazer local de algum lugar.”

É assim, por exemplo, com o beiju de tapioca na folha de bananeira, que abre o menu de degustação no Remanso do Bosque. Inspirado nos beijus, os pequenos bolinhos de fécula de mandioca que as mulheres ribeirinhas fazem, Thiago juntou-lhe apenas o queijo. Usa-os também noutra versão para o beiju cica com coalhada de leite de búfala (o Marajó, arquipélago junto a Belém, é conhecido pelos seus queijos de búfala). Pelo meio apresenta uma brincadeira, a tacacachaça, uma espécie de tacacá mas feito com cachaça de jambu.

Todo o menu é baseado nestes produtos da terra que dantes tanto assustavam a fina-flor de Belém: há um magnífico creme de pupunha (fruto de palmeira-pupunha) com pele de arroz e manteiga de castanha; há sururu (um bivalve) de São Caetano com farofa de suruí; pirarucu defumado com nhoque de banana da terra e farofa de castanha; filhote (outro peixe muito popular na Amazónia, de carne branca, firme e saborosa) assado na brasa com leite de coco, camarão seco, abóbora e dendê; mel de abelha nativa uruçu com farinha e limão; arroz de pato com tucupi e jambu; e, como sobremesa, bacuri (deliciosa fruta amazónica de polpa branca), sagu de café e toffee de cumaru; e por fim, num vaso de plantas e com uma pequena pá, a jardinagem de chocolate e cupuaçu da ilha do Combu.

“No prato do pirarucu, por exemplo, peguei nos mesmos ingredientes de um prato tradicional que é o pirarucu de casaca, o peixe com banana e farofa, e criei o mesmo sabor mas de outra forma”, explica Thiago. “O filhote assado na brasa, que vem na folha de bananeira, é quase um moquém [moquear é a técnica usada pelos indígenas para tratar o peixe], se eu deixasse mais tempo para secar, virava um peixe moqueado.”

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