Fugas - Viagens

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Belém: Vamos comer o Pará

É no buffet do Lá Em Casa, com vista para a baía do Guajará, sobre a qual começam já a adensar-se algumas nuvens, que começamos a descoberta da gastronomia paraense. Avançamos então para o pato no tucupi (o tal suco da mandioca brava usado no tacacá), que leva também jambu; o pirarucu, um dos peixes mais utilizados no Pará, que pode ser um animal enorme, atingindo os 80 quilos, e que é muitas vezes comido seco, à semelhança do bacalhau; e ainda a deliciosa maniçoba, um prato muito trabalhoso porque é feito com a folha da mandioca, que tem que ser moída e ferver durante quatro dias até se transformar numa pasta verde servida depois com carnes várias, secas, fumadas e enchidos, à semelhança da feijoada.

No final, quando provamos os doces, trazemos uma tigela de açaí, sem saber exactamente qual a melhor abordagem. À primeira colherada, o açaí mostra-se pouco amigável e Cleber e Adriana aconselham-nos a juntar açúcar. De facto, com açúcar o açaí muda completamente, e já o comemos bem, acompanhado por farinha-de-água, ou tapioca, leve e crocante. No entanto, não é assim que os paraenses fazem, como vamos aprender nessa noite.

Quando saímos do restaurante começa a chover, mas, ao contrário das promessas, não dura 20 minutos. Chove durante horas e abrir as janelas do quarto é um erro que se paga caro: o nível de humidade é tão alto que tudo fica imediatamente molhado. Mesmo assim, algumas horas mais tarde, arriscamos sair do hotel para ir jantar ao Point do Açaí, onde tudo é servido acompanhado por açaí na tigela. Nas mesas há logo uma tigela e dois tipos de farinha (a de água e a tapioca) para juntar ao açaí. Rendemo-nos à tradição e pedimos pirarucu frito.

Para quem vem de fora é uma estranha mistura de sabores — o açaí frio, ligeiramente amargo, a farinha crocante, o peixe, salgado e intenso. Começamos a perceber a ideia. Mas só no dia seguinte, no Mercado Ver-o-Peso, compreendemos a real dimensão que esta tradição ainda mantém aqui: logo de manhã, nas bancas de comida do mercado, começa-se a preparar o açaí, moendo os grãos, extraindo a polpa, enchendo grandes recipientes com o creme roxo escuro, e fritando o peixe. Em breve, os vendedores do mercado, que chegaram ali de madrugada, começam a aproximar-se para comer o seu açaí com peixe frito.

Só nessa noite é que, finalmente, encontramos Thiago Castanho, que, com o seu irmão, Felipe, é hoje o grande responsável pela redescoberta dos extraordinários produtos do Pará e por uma importante mudança na forma de os trabalhar – e que assinará também os menus dos voos da TAP de Belém para Lisboa, a inaugurar em Junho. Jantamos no seu Remanso do Bosque, o restaurante que abriu com Felipe, precisamente para fazer uma cozinha mais arriscada do que a do Remanso do Peixe, o primeiro restaurante da família Castanho, fundado pelo pai.

As pesquisas de Thiago

“O primeiro chef a trabalhar com ingredientes daqui e a ter orgulho nisso foi o Paulo Martins do Lá Em Casa”, recorda Thiago, voz calma, sorriso doce, olhos enormes. “Durante muito tempo, no Brasil, a alta gastronomia restringia-se a fazer ode a coisas de fora, à cozinha francesa. A gente saía para restaurantes e não imaginava comer um menu todo com produtos da terra. Isso, na cabeça dos clientes, não era o luxo que eles procuravam.”

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