Fugas - Viagens

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A favela quer um lugar no turismo do Rio de Janeiro

A polícia trouxe mais alguma tranquilidade, a Bolsa Família (um subsídio) trouxe algum rendimento, mas só isso é insuficiente. “Não adianta só pacificar e dar Bolsa Família. Tem de acompanhar as pessoas. Tem mãe que pensa que quanto mais filhos, melhor”, queixa-se o nosso guia, defendendo que o Estado tem de estar mais presente, especialmente na educação: “Tem de trazer projecto. As crianças continuam vendo arma, seja de polícia ou de outros. Então, se não tiver projecto para tirar as crianças do meio do caminho, vai piorar.”

Música e cinema

Um passeio pela favela é algo mais do que um passeio turístico. Vaguinho quer mostrar que precisam de atenção. “A gente ficou muito tempo abandonado pelo poder público”, diz, concentrando as suas atenções nas crianças: “Tem meninos que não estudam, porque falta auto-estima aos pais. Por isso, é preciso acompanhamento das famílias.” “Dar estrutura é mais importante do que dar dinheiro, porque chega-se lá em baixo [às lojas] e o dinheiro acaba. Educação ninguém tira”, diz, enquanto passamos pelo bar montado por um norueguês, que à noite organiza festas de pagode, com o Corcovado no horizonte.

As favelas não têm propriamente atracções turísticas, nem locais históricos. Mas têm muitas estórias. A comunidade de Santa Marta agarrou-se a Michael Jackson, que em 1996 subiu o morro para gravar o vídeoclip da música They Don’t Care About Us. Aqui, na Babilónia, há uma referência cinematográfica. A favela foi um dos locais de filmagens de Orfeu Negro, que venceu a Palma de Ouro em Cannes (1959) e o Óscar para Melhor Filme Estrangeiro (1960) — um filme de Marcelo Camus, a partir de uma peça de Vinicius de Moraes e com música de Tom Jobim.

Continuamos a subir, o calor aperta. Acaba-se o cimento e começa o trilho de terra, debaixo de árvores, numa zona de protecção ambiental. Fica um pouco mais fresco. Parte desta floresta no topo do morro é zona militar. Foi aqui que, no século XVIII, os portugueses construíram um forte para vigiar a baía de Guanabara. Depois de andarmos mais um pouco, chegamos a um miradouro, com vista para Copacabana. Um postal ilustrado da cidade.

O jornalista e escritor Zuenir Ventura costuma dizer que no Rio de Janeiro a melhor vista é dos pobres, porque as favelas ficam no morro, enquanto a classe alta mora em frente à praia. O miradouro sobre Copacabana é a prova disso e o mesmo acontece mais à frente na caminhada, quando chegamos ao topo da montanha, onde está a Pedra do Urubu. “É a pedra do Flamengo”, brinca Vaguinho, numa referência ao facto de o urubu ser o símbolo do maior clube de futebol do Brasil, o seu clube, pois claro.

Os urubus planam por cima do morro, com uma vista fabulosa para a praia de Botafogo e o Pão de Açúcar. Vemos todos os contrastes do Rio: a praia e a montanha, os arranha-céus e as favelas. “Nunca tinha visto o Pão de Açúcar deste ângulo”, diz Cristine, uma brasileira que nasceu no Rio e mora em França. “Antes ninguém subia cá”, diz ela, que foi ao morro por sugestão de uma amiga.

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