É hora de começar a descer. “Quem não conhece a favela pensa que aqui só tem bandido e gente que não presta”, diz Vaguinho, enquanto passamos por um pequeno campo de futebol em terra batida, onde cães descansam à sombra.
Saímos da zona florestal e descemos por escadas, no meio de casas. Dizem-nos que há cada vez mais estrangeiros a viver nas favelas. “Essa casa aí é de um estrangeiro”, aponta Vaguinho. Batemos à porta. Aparece um rapaz branco, de calções. Chama-se Matisse Bonzon e vive aqui há dois meses. Trabalha no Meu Rio, uma rede mobilizadora de cidadãos. Escolheu morar na favela por várias razões: “O astral é bom, a vizinhança é simpática e o aluguel é mais barato do que no asfalto”, diz este franco-brasileiro de 25 anos. Único problema: “Tem de gostar de subir escada”, brinca, antes de se retirar, porque tem pressa para voltar ao trabalho.
A maioria das casas é em tijolo e muitas estão inacabadas, mas vêem-se centenas de antenas parabólicas. Vaguinho conta que antes havia muito “gato”, o termo utilizado no Brasil para as ligações ilegais de electricidade, televisão ou água. “Agora as pessoas pagam as contas”, diz, revelando que a empresa de electricidade trocou os frigoríficos velhos por novos e dá desconto a quem entregar lixo reciclável, sejam latas de refrigerantes, garrafas de plástico, papel ou óleo de cozinha. Graças à reciclagem, há mais de um ano que a família dele não paga electricidade.
Na descida, fazemos mais uma paragem para conhecer uma pessoa: Marcos Rogger, um artista foto-plástico que veio da Bahia para o Rio. Marcos brinca com o sotaque português, antes de, a sério, explicar por que vive há dois meses na favela: “É na comunidade que se conhece o Rio. O desavisado fica no hotel e não tem contacto com o verdadeiro Rio”, argumenta este mulato, um amigo da família do Favela Inn, onde costuma fazer caipirinhas.
Feijoada sustentável
Mais um pedaço de caminhada e chegamos ao Favela Inn, um modesto prédio, transformado em albergue. A fachada de tijolo foi colorida pelo artista plástico Coco Barçante, distinguindo-o dos prédios em redor. A ideia de fazer um hostel foi de um guia francês, que costumava trazer algumas pessoas para conhecer a comunidade. Vaguinho e Cristiane tinham uma barraca na praia, onde alugavam cadeiras e vendiam bebidas, e de vez em quando mostravam a favela aos turistas, com samba e tudo. “Um dia um grupo perguntou se tinha lugar para dormir, depois do samba e da caipirinha”, explica Cristiane. O cunhado tinha alguns quartos que alugava para famílias e assim o prédio foi transformado num albergue, em Novembro de 2010. Foi o segundo na comunidade, onde agora há 15 hostels, a maioria de estrangeiros.
Em baixo, há seis quartos, com três camas cada — a dormida custa 55 reais (17 euros) por noite/pessoa. Em cima, a laje (varanda) foi transformada numa sala e kitchenette, onde os hóspedes podem cozinhar. A decoração é barata e ecológica: uma porta de vidro virou balcão da cozinha, o telhado de amianto foi trocado por outro feito de pacotes de leite e garrafas, canas de bambu formam uma das paredes da sala e garrafas servem para o mesmo efeito na escadaria. Os candeeiros também são de plástico reciclado.