Fugas - Viagens

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A favela quer um lugar no turismo do Rio de Janeiro

O hostel mudou tudo na vida deste casal. Vaguinho deixou a praia. “O dia tem 24 horas: oito para trabalhar, oito para descansar e oito para estar com a família. Na praia, você sai de manhã e chega em casa à noite. Não está com a família. Não vive”, diz, ajeitando o boné na cabeça. “Achei melhor estar trabalhando, mas junto com a minha família. É um projecto que está no meu sangue e estou a trabalhar dentro da minha comunidade.”

A vida de Cristiane mudou ainda mais. Deixou a vida doméstica e tornou-se gerente. Fez vários cursos para empreendedores, aprendeu gerir os fluxos de caixa, recebeu lições de compra e venda. Um dos cursos chamava-se “Sei controlar o meu dinheiro”, que é o mais difícil para alguém habituado a receber salário e que de repente passa a ter dinheiro na mão todos os dias. “Era complicado”, diz a gerente, de vestido e havaianas.

A formação também ajudou a aproveitar melhor os alimentos. “Agora fazemos uma feijoada sustentável. Por exemplo, eu fazia couve, mas o talo ia para o lixo. Agora uso para uma farofa vegetariana. A casca de laranja vira uma bala cristalizada para tomar com café. Com abacaxi, que é a sobremesa, usamos a casca para fazer suco e do suco fazemos um doce. Ou podemos fazer chá com a casca, que é antioxidante”, explica Cristiane, falando de um antes e depois na sua vida.

“Antes servia feijoada e a gente perdia dinheiro, porque comprava a mais. Estávamos pagando para trabalhar. Agora sabemos as porções necessárias para não faltar, mas também para não desperdiçar”, diz a sócia do hostel, que no dia seguinte à visita da Fugas ia cozinhar uma feijoada para o ex-futebolista francês Eric Cantona.

Pelo Favela Inn, passam brasileiros e estrangeiros (na mesma proporção). “Sem sair da minha comunidade e do meu país, conheci pessoas de várias nações, vários idiomas, culturas muito diferentes. Essa troca de informação é muito rica”, afirma Cristiane, ansiosa por aprender inglês — a filha mais velha também já está a aprender.

Sentada na varanda, com vista para o mar, Cristiane explica como o hostel mudou a sua vida. Uma das diferenças foi ter criado uma empresa, tornando-se uma micro-empreendedora. É a favela a entrar no mundo formal. “Quem tinha birosca [pequena janela na parede], virou mercearia. Quem tinha casa de aluguel, virou hostel. Quem tinha bar, virou restaurante. Agora já estamos nos guias do Rio de Janeiro”, diz Cristiane. “Agora no banco já me olham com outros olhos”, acrescenta Vaguinho.

A palavra favela está normalmente associada a algo negativo. Cristiane e Vaguinho não tiveram medo de a usar no nome do albergue. Porque há um espírito comunitário no projecto. “Minha sogra faz comida, meu esposo faz o tour, eu administro”, diz Cristiane: “É como antigamente, em que as mães saíam para trabalhar e as vizinhas tomavam conta dos filhos. Você precisa de alguma coisa e um vizinho te dá. A gente quer que o Favela Inn seja isso, um leque de oportunidade, em que um depende do outro, como se fosse corpo humano.”

Outra das atracções da Chapéu Mangueira é o Bar do David. Cristiane indica-nos o caminho, descendo as ruas estreitas da comunidade. Antes não havia nomes de ruas, agora já vemos placas. Uma delas tem o nome de Lúcio de Paula Bispo, avô de David e um dos fundadores da Faferj (Federação das Associações de Favelas do Rio). “O meu avô lutou muito contra a remoção das favelas”, diz David, enquanto nos mostra a ementa.

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