Fugas - Viagens

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    Casa Mar, em Tarfaya Humberto Lopes
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    Erg-Chebbi Humberto Lopes

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Marrocos, vento, areia e estrelas

Para as típicas agendas turísticas, Guelmin falha em conteúdos exaltantes: nada para fazer, nem um museu ou um monumento espreitam na unissonância das avenidas de traço colonial ou nas animadas ruelas da medina. Virando a perspectiva do avesso: uma oportunidade para o viajante se abandonar a um anónimo andarilhar, sem vendedores à cata de fregueses ou ranchos de turistas de câmaras em punho. De Guelmin aos oásis de Akka e Tata reina uma trégua.

Sigo para o souk, para as ruelas estreitas que ladeiam a Moulay Abdallah. O alfaiate Bachir acena por detrás da sua maquinaria e pede-me uma fotografia. Não tem email, o retrato há-de chegar por correio convencional, para o número 43, código postal 81000. À porta da alfaiataria berbere junta-se gente por uns minutos: curiosidades pela origem, pela família, pelo sentir do forasteiro, saudações, apertos de mão, “soyez le bienvenu, monsieur”, “à bientôt, monsieur”. Lá ao fundo da rua, o comerciante Abdallah vende-me dois panos sarauís. O preço? “Cent dirhams, monsieur” Pago com uma exacta nota de cem. Há-de convidar-me para um chá de menta, num amável abrir e fechar de panos. Mas antes, com solenidade, devolve-me dez dirhams. “Abdallah, vous avez dit cent dirhams!” Em Guelmin, o turismo ainda não torceu as trocas comerciais. “Ah!, c’est un prix special pour vous, mon ami!”

Nos oásis

Trinta quilómetros a norte de Guelmin, outra encruzilhada: Bou Izakarne. Seguimos na direcção de Akka pela N12, à vista dos contrafortes áridos do Anti-Atlas, montanhas desenhadas em surpreendentes grafismos, projectando estranhas silhuetas ao amanhecer ou sobre os céus do crepúsculo, como se fossem figuras de origami num teatro de sombras. Em súbitos e extensos vales despontam oásis e casario colado aos barrancos de rios quase sempre secos, de leitos fundos mas vazios a maior parte do ano. Há vários núcleos de arte rupestre espalhados ao longo do percurso até Akka, com figuras a atestar que a zona já foi, outrora, bastante fértil. A meio caminho, num ponto em que a estrada se aproxima da fronteira com a Argélia, fica o povoado de Aguerd. Do topo de uma colina vizinha tem-se uma vista memorável sobre o vale do Tamanart, um rio que transporta as suas águas desde o coração do Anti-Atlas.

Nos oásis de Akka e Tata anda-se por um labirinto de palmeiras, de canais de irrigação, de hortas, de caminhos batidos em terra avermelhada. Em Agoujgal e noutras aldeias em redor dos oásis cruzamo-nos com camponeses berberes, de djellabas brancas, enquanto as mulheres se distinguem pelos seus trajes negros ou azuis. À parte a saudação que lançam ao estrangeiro caminhante, não são, claramente, personagens de folheto turístico. Lembro-me, por antinomia, de uma observação de George Monbiot, activista, escritor e colunista inglês do The Guardian, que mencionava, numa crónica, o desabafo de um "guerreiro" masai: "Nós deixámos de ser quem somos e estamos a tornar-nos no que parecemos". Isto é, cada vez mais semelhantes aos personagens da panfletária turística.

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