As ruas da cidade mostram-nos quão a Sul estamos, tal a variedade das gentes: berberes, árabes, sarauís e outras, ainda, das demais latitudes que trazem coladas aos modos de falar, de vestir, de olhar. À volta da praça, rósea como cada milímetro da povoação e ritmada por arcadas que abrigam os alpendres da impiedade solar, há um punhado de esplanadas cheias de gente a fazer tempo para a hora de partida dos autocarros e dos grand-taxi. O oásis é vasto, há aldeias meio escondidas nos palmares, tal como há, também, outros oásis mais adiante, nestas paragens que as caravanas que vinham do Império Songhai para Marraquexe atravessaram durante séculos.
À noite, o frio do deserto abraça a cidade, prestes a mergulhar no silêncio. As esplanadas da praça conservam alguns retardatários - em conversas cruzadas em várias línguas, o berbere, o árabe, o hassani - e continuam convidativas. Um chá de menta ou uma sopa harira substituem um pouco o calor do sol. Lá em cima, silenciosas, brilham estrelas, as mesmas que Saint-Exupéry tinha à sua frente na noite em que levantou voo de Benghazi para se despenhar sobre o deserto líbio umas horas depois. E o vento, que descansou durante a tarde, acaba de regressar, devagarinho, tão lentamente como os primeiros sinais da aurora ou da noite. O vento, a areia, as estrelas, companheiros da jornada do viajante ao encontro de si mesmo, tema caro a Saint-Exupéry quando se referia à experiência do deserto. O deserto: “Ce prestige du sable, la nuit, ce silence, cette patrie de vent et d’étoiles”.
Luz de aguarela
O desvio até Sidi Ifni, no litoral, é a única excepção ao sentido Este-Nordeste deste itinerário. A partir de Guelmin, e por uma estrada serpenteante, entre colinas povoadas de figueiras-do-diabo, contam-se uns trinta e tal quilómetros, menos de uma hora de viagem.
São bastantes os signos da presença colonial espanhola em Marrocos, ainda que em menor número que os da francesa, e, à excepção do Sara Ocidental, encontram-se localizados em territórios que constituíram enclaves. É o caso de Sidi Ifni, possessão de Espanha nos séculos XV e XVI, reconquistada depois pela dinastia saadiana e reintegrada no espaço colonial espanhol já na segunda metade do século XIX. Habitada por uma população de origem maioritariamente berbere, manteve-se sob o domínio de Espanha até 1969.
O fenómeno arquitectónico que a distingue de outros enclaves europeus em Marrocos, como Tarfaya, Larache, Ceuta ou Tânger (nos seus tempos de protectorado) sobreveio a partir dos anos 30 do século XX e fez da cidade um exemplo único não só em Marrocos como em todo o continente africano: Sidi Ifni é um notável espaço urbano repleto de exemplos de arquitectura Art Deco, em muitos casos marcada por experiências de mestiçagem.
Após um período em que se assistiu à degradação de muitos dos edifícios emblemáticos dessa época, a cidade começa a renascer da sombra - e as cores dominantes, patentes tanto nas mesquitas como nos edifícios públicos e privados, o branco e o azul, reforçam literalmente a esplêndida luminosidade do Sul. Sidi Ifni possui um clima excepcional, afirmação que se abstém de considerar os infernais tempos estivais: durante o Inverno as temperaturas são amenas, o céu quase sempre azul e a luz de uma suavidade de aguarela, razões de monta para a crescente migração sazonal de gente reformada oriunda da Europa. Aliás, a aquisição de casas por parte de estrangeiros tem sido, precisamente, um dos factores da renovação desta pérola africana de Art Deco.