Fugas - Viagens

  • ISHARA S.KODIKARA/AFP
  • ISHARA S.KODIKARA/AFP
  • ISHARA S.KODIKARA/AFP
  • Ricardo Santos
  • Ricardo Santos
  • ISHARA S.KODIKARA/AFP
  • Ricardo Santos
  • ISHARA S.KODIKARA/AFP
  • ISHARA S.KODIKARA/AFP

Continuação: página 3 de 6

Sri Lanka, danças com elefantes

Camas para elefantes

É tempo de fazer as camas para os elefantes. Deles, nem sombra. Carregam-se enormes ramos de palmeiras, arbustos e troncos que são dispostos — uns sobre os outros — junto às árvores. À noite irão servir de leito, mas também de refeição para os paquidermes. As ásperas folhas cortam as luvas de látex em poucos movimentos, depois chega a vez dos dedos. Não é o peso que incomoda, é o mau jeito que dá. De tecido envolto à cintura, tronco nu e catana na mão, um mahout (tratador de elefantes) dá o exemplo do que deve ser feito. Nem um pingo de suor lhe escorre testa abaixo, exactamente o oposto do que se passa com um qualquer português com ganas de ajudar.

Feitas as camas, há que carregar um atrelado com mais arbustos, folhas e frutos, de preferência mangas — parece que os elefantes não as dispensam. O tempo passa devagar, os efeitos do jet lag fazem-se sentir, a quebra de tensão intensifica-se. "Talvez seja melhor parar um pouco", diz Chari. Como parar? Ainda há tanto para fazer... "Ok, então toma esta pá e vai limpar aquilo", desafia o mentor deste projecto de voluntariado. "Aquilo" é um monte de fezes com quase um metro de altura. A uma dezena de metros teme-se um cheiro insuportável, mas não é bem assim. O que afugenta mais é o preconceito, afinal os elefantes só comem ervas e frutas e o odor não é assim tão impossível de suportar. Mas não deixa de ser m... esterco. Pazadas e pazadas depois, os resíduos estão limpos e amontoados devidamente. Mais tarde serão aproveitados, não para estrumar terras mas para fabricar papel. É uma economia emergente que surgiu nos últimos anos e alimenta a comercialização de cadernos, blocos, brinquedos ou porta-chaves. Sem cheiro, claro, e comprados essencialmente por turistas.

O poiso seguinte é à beira de um afluente do rio Maha Oya, junto a um edifício em construção. Um casal de russos vem no dorso de um elefante que caminha vagarosamente. Ao sinal do tratador, o animal mergulha a tromba na água e deita a cabeça para trás molhando por completo os dois turistas. Faz parte de um pacote que inclui o passeio de elefante. Não é por isso que Chari ali leva os voluntários. Todos os dias, duas horas de manhã e duas horas à tarde, os enormes bichos têm que ser lavados e esfregados. É essa a próxima tarefa.

Tikiri (pequeno, em português) é o nome dado ao elefante que calha em sorte, um elephas maximus maximus, de acordo com a nomenclatura científica. Trata-se de um elefante asiático, mais pequeno que os seus parentes africanos. Regra geral, podem medir até três metros e meio e pesar um máximo de cinco toneladas e meia. Tikiri é um digno representante da espécie: a tromba está pintalgada de manchas amareladas e pontos negros, fruto de uma despigmentação natural e não possui presas, o mesmo se passa com a imensa maioria dos seus irmãos.

Os enormes olhos escuros cativam desde o primeiro momento. Sente-se retorno no olhar, afinal este é um dos animais mais inteligentes do planeta. Além de possuir um cérebro que, em média, pesa qualquer coisa como cinco quilos, o córtex tem um número total de neurónios equivalente ao humano. Tikiri gosta de que lhe dêem banho e essa é uma experiência inesquecível. Perfeitamente normal para o seu mahout, que vê no voluntariado uma boa oportunidade para se dedicar a outros afazeres enquanto os estrangeiros se deliciam nas águas lamacentas do rio. Primeiro exemplifica como esfregar o elefante com cascas de côco e depois vai à sua vida. É rija e densa a pele do animal, marcada por linhas fundas e pêlos que, de tão grossos, quando entrelaçados servem de pulseiras e anéis feitos por artesãos de circunstância. O ruído, o raspar, o repetido ritual contra a pele produz efeitos imediatos: sai a poeira e Tikiri solta profundos suspiros acompanhados por borrifadelas de água. Está deitado no rio com metade da enorme cabeça submersa e a tromba, como um periscópio, acompanha os movimentos e reacções dos seus improvisados tratadores. Barriga, lombo, tromba, cabeça, orelhas — tudo é devidamente esfregado. As horas passam sem se dar por elas. Nem os peixes de rio que andam à volta dos pés e das pernas incomodam. Trabalho é prazer.

--%>