Fugas - Viagens

  • Renato Cruz Santos
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Aqui há pastores. E artistas. E gente que quis voltar à aldeia

Tudo começou em 1990, com dez jovens e Graeme Pulleyn, um inglês que para ali viera desenvolver um projecto de voluntariado. Não é coisa pouca a que aqui fazem, cada vez com menos meios. Teatro contemporâneo com inspiração popular. Levam-no pelo país fora e até para fora dele. Dão grande importância ao texto. Assumem-se como contadores de histórias. Não descuidam, porém, os figurinos nem os adereços. Quem lhos faz são as Capuchinhas, cooperativa de mulheres que tecem o burel e o linho e com eles executam roupas com design moderno.

Adormeço a pensar no que pode a cultura fazer por um povo no meio da serra. E desperto com vontade de continuar isso.

Salto Baião, onde fica a Fundação Eça de Queiróz, já que por lá tinha andado no Verão — até fizera "O caminho de Jacinto", que na obra A Cidade e as Serras liga a estação de caminhos-de-ferro à quinta de Tormes. Avanço para Marco de Canaveses, onde se situa a cidade romana de Tongobriga.

Um simpático guia conduz-nos pelas ruínas, debitando factos a grande velocidade. Retenho o que vou apontando no caderno: as escavações começaram em 1980 na "capela dos mouros", nome que davam à parte visível das ruínas. No final do século I ou no início do século II, emergiu como civitas. Presume-se que a estrutura castrejo-romana tenha sido criada no tempo de Augusto. A zona habitacional exumada é ainda diminuída, embora já se saiba vasta. Há vestígios de umas termas públicas, de um fórum e de outros edifícios. Consumada a queda do Império romano, no século V, Tongobriga não se esvaziou: tornou-se sede de uma das primeiras paróquias cristãs.

Surpreende-me a dimensão da área arqueológica. E algum esquecimento a que parece ter sido votada. O sítio é Monumento Nacional desde 1986. O Centro interpretativo está ainda a inventar-se.

Andamos pelo edifício. Ainda encontramos restos da exposição colectiva Tempore, misto de artes plásticas, escultura, fotografia, ilustração, na qual participou Emília Viana, a escultora com quem haveríamos de fazer o piquenique nas Portas de Montemuro, e a escultora Karin Somers, com quem vamos lanchar. Não é um momento privado, não se inquiete o leitor. Qualquer pessoa pode visitar Karin Somers e o marido, o artista plástico Mário Peixoto, em Aboadela, na parte ocidental da Serra do Marão.

Primeiro, retenho-me nos rostos humanos ou semi-humanos que saem das mãos dela, com corpo de pássaro, lagarta ou outra coisa qualquer, quase sempre de olhos fechados — a sonhar talvez, a expugnar cada ser do que ele é talvez. Depois, já noutro atelier, quando me detenho na densidade das pinturas e das gravuras dele, ele transporta-me para a Casa Amarela, na verdade branca, na antiga Rua da Cadeia, agora Dr. Miguel Pinto Martins, no centro de Amarante. Nessa cooperativa, onde vários artistas desenvolvem o seu trabalho, gosta de partilhar o que sabe.

A Casa Amarela é uma porta para o exterior — um lugar de ateliers, uma galeria, uma loja, um espaço exterior à espera de si. Amarante não é só o centro histórico, o Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso ou aqueles doces do outro mundo que sabem tão bem com vinho do Douro. Nada é só o que se acha que é. Cada regresso a Cinfães é só mais uma prova disso.

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