Fugas - Viagens

  • Renato Cruz Santos
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Aqui há pastores. E artistas. E gente que quis voltar à aldeia

Aqui, nas Portas de Montemuro, nasce o rio Bestança, que desagua lá para baixo, no Douro, na zona do Porto Antigo. São mais de 13 quilómetros. "É um dos menos poluídos da Europa", orgulha-se Ângelo. E nós vamos comprová-lo seguindo trilhos a partir dos quais se pode apreciar a limpidez das águas, o viço da vegetação nas margens, as casas típicas com a fachada em madeira.

Sim, há gente que regressa. Teresa, a irmã de Ângelo, regressou muitos anos depois de daqui ter saído para estudar Direito, já com um longo currículo de gestão. É dela o restaurante O Meu Gatinho, na vila de Cinfães, um lugar agradável para quem procura cozinha tradicional com algum requinte (se passar por lá, experimente a posta arouquesa ou o bacalhau com broa).

Os irmãos e outros empresários estão a tentar chamar a atenção para aqui. Formaram o Turismo Rural do Douro, uma rede informal de casas de turismo rural e restaurantes de Cinfães, Baião e Marco de Canaveses, que deu origem a uma série de programas extra para ocupar quem está de visita, como acompanhar a saída do pastor em Aveleda ou a fazer uma caminhada no vale do Bestança.

Desejam que se comece a pensar em Cinfães como uma encruzilhada entre o centro histórico do Porto e o Douro Vinhateiro, adequado para visitar o litoral e o centro norte. Há uns meses, à mesa de O Meu Gatinho, Teresa desafiou-me a experimentar fazê-lo no Outono ou na Primavera.

Meti-me no comboio na estação de São Bento, no Porto, e saí na estação de Mosteirô, em Cinfães. Pousei o saco na Casa do Moleiro, na Pelisqueira (ver texto). Segui para a aldeia de Campo Benfeito, em Castro Daire, palco do Festival Altitudes, fruto da boa vontade e dos intercâmbios do Teatro de Montemuro.

Há teatro na aldeia

Era dia de espectáculo: "Ping Pong Pau", um delicioso nonsense, escrito por Ricardo Alves e encenado por Gonçalo Amorim. Na plateia, a aldeia misturava-se com aldeias vizinhas. Agora, imagine: está para fechar a carpintaria que o avô deixou de herança. O primo carpinteiro diz que não consegue competir com o IKEA e com as lojas dos chineses, que se multiplicaram por todo o país e que vendem colheres de pau mais baratas do que a madeira necessária para as fazer. A prima do marketing acha que a solução é ele começar a falar em verso ("vai trazer montes de clientes quando passar no programa da manhã!"). O outro primo acredita que o melhor é pendurar uma coruja empalhada à porta, de modo a afastar o avô e outras almas penadas. Recorrendo ao manual de feng shui, outra prima julga que o problema é a carpintaria estar "toda errada".

Antes do sol se pôr — e desta co-produção Teatro de Montemuro/Teatro Experimental do Porto me pôr a pensar na sobrevivência dos negócios de família neste Portugal tão periférico – tive tempo para caminhar pela aldeia, trocar algumas impressões, perceber como artistas e artesão se organizam para fazer vida aqui.

Eduardo Correia, o director artístico da companhia, oferece o café. Num instante, a conversa entra no tema inevitável: a sobrevivência do teatro, a sobrevivência do mundo rural, a sobrevivência do país.

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