Fugas - Viagens

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Birmânia, para quem ainda sonha com o paraíso

Min Ye Tun lança o olhar na direcção do horizonte daquele mar de uma imponderável luminosidade e, de seguida, olha-me nos olhos na tentativa de perscrutar se a sua conversa me está a aborrecer.

- Recordo-me bem da minha felicidade, no final de cada mês, caminhando para casa com alguns dos bens alimentares que o hotel fornecia a cada um dos empregados, como estava definido: óleo de amendoim, cinco quilos de açúcar e 20 quilos de arroz.

Os erros dos vizinhos

Após mais de meio século de ditadura, a Birmânia — Myanmar desde 1989 —, um dos países mais fechados do mundo, começa a sentir o gosto da liberdade. Lentamente e desde 2011, aquela que era conhecida como uma das maiores prisões a céu aberto vê a obscuridade dar lugar a um raio de luz, cimentado na libertação de presos políticos, na legalização de partidos, na criação de sindicatos, na facilidade de acesso à Internet e na liberdade de imprensa. Com a renúncia ao poder absoluto por parte do general Than Shwe — a despeito da sua vitória (considerada uma fraude pela oposição e pela comunidade internacional) nas eleições presidenciais de 2010 — e a libertação de Aung San Suu Kyi, Prémio Nobel da Paz em 1991, as sanções internacionais foram suspensas pela União Europeia e aliviadas pelos Estados Unidos — que nomearam um embaixador ao fim de 22 anos sem qualquer representação no país, seguindo-se uma visita entusiasticamente aplaudida de Barack Obama em Novembro de 2012.

Como consequência da nova política, o país abre as suas portas ao investimento estrangeiro e o número de turistas segue batendo todos os recordes — dois milhões em 2013 e uma previsão de cinco milhões em 2015, ano de eleições.

Ngapali, sendo considerada a praia mais bonita da Birmânia, também beneficia deste incremento turístico, talvez até mais por não ser, ao contrário de outros destinos, um lugar barato — são poucos os jovens de mochila às costas e em bom número casais da meia-idade ou idosos que, em grande parte, limitam a sua existência ao luxo de um hotel na praia a preços astronómicos. Obras de melhoramento das estradas — com uma largura talvez exagerada face ao tráfego para um orçamento de meio milhão de dólares, possibilitando emprego a algumas centenas de locais que recebem o dobro do que aufeririam no sector privado —, novos restaurantes, cada vez mais espaços comerciais e mais hotéis constituem forte ameaça à tranquilidade de Ngapali, até agora um segredo ainda bem guardado em frente da Baía de Bengala.

- Os desportos náuticos não são autorizados e, se é verdade que estão previstas algumas construções, incluindo centros comerciais e até mesmo discotecas, o que se compreende tendo em vista atrair um maior número de turistas, nada será erguido junto à praia, pelo que a panorâmica que se tem desde o mar permanecerá inalterável. Tenho alguns contactos privilegiados com entidades governamentais e parece-me que a Birmânia e, no caso concreto de Ngapali, aprendeu com os erros que se cometeram em países como a Tailândia ou o Vietname. Os políticos mostram-se sensíveis e dispostos a levar para a frente alguns projectos, como a construção de uma nova estrada, através das montanhas, desviando dessa forma o tráfico pesado, bem como, em Ngapali, de um trilho exclusivo para bicicletas, algo de inédito em todo o país e julgo mesmo que até na Ásia.

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