Fugas - Viagens

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Birmânia, para quem ainda sonha com o paraíso

Oliver Thet, chefe de restaurante que gere também, na companhia de um sócio austríaco, um pequeno hotel ecológico em Ngapali, vive há 18 anos na aldeia — é um dos grandes impulsionadores de projectos gratuitos ligados à saúde (implantes dentários, cirurgias plásticas e ortopedia, entre outros) e de eventos para promover a imagem deste paraíso ainda arredado dos grandes circuitos turísticos —, e não está certo do impacto que futuros investimentos possam ter no modo de vida da população local.

- Terá de se tentar um equilíbrio. Mais dinheiro poderá melhorar as condições dos habitantes mas também é importante preservar as suas tradições e a sua cultura. Ngapali tem uma forte vocação turística mas não devemos esquecer que é, mais do que tudo, uma aldeia de pescadores.

Min Ye Tun, atirando os olhos para as pequenas embarcações sobre as águas calmas, parece mais seguro das suas convicções.

- Muitos dos pescadores já abandonaram a actividade porque olham o turismo como principal fonte de receitas. É sempre mais fácil e mais lucrativo passear turistas de barco pelas praias do que enfrentar os perigos do mar.

Gerente de um pequeno restaurante, mesmo sobre a praia, Min Ye Tun sabe que de há um ano a esta parte vive, tal como mais duas ou três dezenas de proprietários, na ilegalidade, uma vez que já foi notificado para se mudar para o sopé de uma colina onde em tempos funcionou o mercado local.

- No próximo ano haverá eleições e ninguém, entre os políticos, agora que se vive em democracia, pretende dar uma imagem de arrogância. O governo quer atrair votos e, para tal, sente que tem de se manter popular. Por isso, as entidades procuram ser tolerantes e vão protelando a decisão, fomentando, desta forma, a corrupção, porque a verdade é que os proprietários dos restaurantes — além de promoverem uma concorrência desleal para com os restaurantes dos hotéis onde os turistas estão alojados — corrompem a polícia para poderem continuar a fazer o seu negócio.

Min Ye Tun discorda claramente da tese do alemão e refuta a ideia de corrupção, ainda que confirme essa realidade até há um ano.

- Até 2012, a polícia visitava todos os restaurantes uma vez por mês e extorquia a cada um dos donos vinte dólares. Se não o fizéssemos, não nos restava outra alternativa: fechar as portas. Agora, desde as mudanças políticas no país, já não nos procura, nem mesmo depois da decisão das entidades locais de nos mudarmos para outro espaço. Alguns dos restaurantes estão aqui há mais de dez anos e são uma importante fonte de receita para muitas famílias. Se sairmos da praia, será a ruína para elas. Os turistas gostam de se sentar a ver o pôr do sol ou à noite, a jantar à luz da vela. Quem vai procurar um restaurante na área para onde nos querem transferir? Percorra a estrada na parte de trás da praia e repare como a maior parte dos restaurantes está vazia. É normal. Os políticos afirmam que querem transformar a praia num espaço público mas, perante esta extensão [olha para cá e para lá, num total de três quilómetros], será que não podemos ter direito a meia dúzia de metros? E, ao contrário do que alegam os proprietários, não estamos à frente dos hotéis, temos o nosso espaço nos dois extremos da praia.

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