Como qualquer visitante, é pelo jardim que tenho acesso ao local de nascimento, um espaço criado já em meados do século XIX mas contendo um número razoável de plantas referenciadas por William Shakespeare. Aqui e acolá, guias trajando réplicas de vestuário da época — confeccionado como em tempos de antanho —, sentem prazer em guiar os turistas ao longo das diferentes divisões e, cheios de um humor genuinamente britânico, em responder a todas as perguntas que, especialmente os mais jovens, pouco familiarizados com alguns dos artefactos expostos, vão colocando. Já no interior, a primeira divisão, bem acanhada, não é mais do que um quarto que em tempos era uma casa independente, o lar-doce-lar da irmã de William Shakespeare, Joan Hart, e que actualmente funciona como antecâmara da sala de estar da família. Aqui, num ambiente que recria o aspecto que deveria ter em 1570, numa época de prosperidade, decorria a vida social. A réplica da cama com colgadura — então uma salar de estar no piso térreo era simultaneamente usada como quarto de hóspedes — é um sinal claro de riqueza, de todo invulgar na maior parte das famílias do período a que se reporta.
Da rua chegam murmúrios imperceptíveis mas, pelo menos a esta hora da manhã, ainda reina o silêncio na casa onde William Shakespeare viveu os primeiros anos da sua vida. Ainda na sala, destacam-se os tecidos de cores fortes (copiados de outros e de murais originais) que decoram as paredes caiadas de branco — na altura constituíam alternativa a tapeçarias caras e inacessíveis — e acredita-se que o chão em brita seja o mesmo que o pequeno William e a família pisaram em finais do século XVI.
A mesa está posta, com louça de estanho, apenas falta servir o jantar no salão onde todos se reuniam para as refeições; na lareira, de uma dimensão inusitada, observam-se os utensílios de cozinha e até um espeto para assar carne. O apetite rasga fronteiras. Entre o mobiliário, um escabelo e um banco góticos e, numa das paredes, um tapete que representa a história bíblica do regresso do filho pródigo, mais uma réplica de uma tapeçaria da época. Mais para lá, na extremidade de uma passagem que era a entrada original da casa, depara-se com a oficina do pai de William Shakespeare, fabricante e vendedor de artigos de couro branco de grande qualidade, especialmente luvas produzidas a partir de peles de animais (cabritos, veados e ovelhas), enquanto os cestos e fardos de lã recordam que John Shakespeare foi também comerciante deste ramo, uma actividade que o levava a viajar para Londres com uma certa frequência.
Passear por aqui é como viajar no tempo, como um conto de fadas e, utilizando um lanço de escadas, alcanço as divisões do primeiro andar, onde a família dormia. Um dos quartos está agora ocupado por uma exposição (inclui uma janela onde os visitantes do século XIX colocaram os seus nomes) que releva a história da casa enquanto atracção para turistas e, finalmente, chega-se àquele onde, supostamente — tudo o que se refere à vida do bardo inglês navega por caminhos misteriosos — terá nascido o escritor, designado como “terceiro quarto”, contendo berço, brinquedos, tina de banho e até fraldas que são cópias fiéis desse tempo que Shakespeare imortalizou.