Fugas - Viagens

  • Fernando Veludo/NFactos
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Por este Douro acima sob auspícios reais

O rio está cada vez mais estreito e é assim que chegamos a Barca d’Alva. Pela primeira vez, aportamos na margem esquerda do Douro, o que significa, a sul. Entramos no Parque Nacional do Douro Internacional, e isto quer dizer que Espanha está aqui ao lado (fronteira delimitada pelo Douro e pelo seu afluente Águeda). Vamos ver esse encontro do alto, do miradouro Sapinha/Escalhão — a ele e a quatro grifos, na semana anterior sete foram avistados simultaneamente, a planar — através da paisagem agreste mas com uma inexplicável doçura que se exibe diante nós como uma pintura.

Para trás fica Barca d’Alva, que é mesmo alva, com os seus minimercados que são minimarchés. Ainda há vinhedos, mas à medida que subimos estes bailados geográficos exactos que cobrem os vales deixamo-los para trás. O território mais alto é de oliveiras e amendoeiras, o verde acinzentado das primeiras e o verde brilhante das segundas iluminam o ocre da terra que se agiganta (chegamos a 800 metros de altitude) até Castelo Rodrigo. O caminho da beira-rio até aí é de deslumbramento permanente — ao longe e ao perto, para cima e para baixo. São os olivais novos que alinham pontos escuros nos terraços amparados por xisto, são as oliveiras antigas que surgem dispersas, são as casas solitárias e despidas; é o mar de cumes que surge no horizonte; é o jogo de luz e sombra que perseguimos montes acima; é a fábrica de conservas de azeitona abandonada. Chega um momento em que a paisagem se torna mais plana, campos rochosos, árvores que são quase instalações, pombais, redondos, alvíssimos sob telhados vermelhos (são 35 mil na zona), e sem darmos por isso estamos a atravessar Figueira de Castelo Rodrigo.

O sabor da cereja

Daqui avista-se Castelo Rodrigo, há séculos empoleirada no horizonte inóspito. Aldeia histórica, Castelo Rodrigo viu passar pelas suas portas muitos povos até ser incorporada no reino de Portugal, o que só veio a acontecer em 1209 com o Tratado de Alcanizes. As suas pedras são disso testemunho, postas, dispostas e redispostas à medida da necessidade dos tempos — que foram sempre muito turbulentos nas zonas raianas e aqui especialmente, com Castelo Rodrigo a balançar na sua lealdade entre os dois reinos ibéricos. Tanto que viu D. João I, depois de coroado, a castigar a vila pelo seu apoio a D. Beatriz, ordenando que o seu brasão fosse colocado invertido e com a pedra picada na entrada do castelo. Tanto que séculos mais tarde, e para que não houvesse mais dúvidas, a própria população haveria de incendiar o castelo feito palácio por Cristóvão de Moura, conde de Castelo Rodrigo pela mão de Filipe I e que chegou a ser vice-rei de Portugal durante o domínio espanhol.

Durante o século XIX, Castelo Rodrigo perdeu a sua importância e viu a sua população transferir-se para o vale, para Figueira de Castelo Rodrigo, que foi elevada a sede de concelho. Com 65 habitantes, é hoje quase uma aldeia-museu, com o que tem de bom e de mau. O bom: o recinto amuralhado e o seu casario estão perfeitamente conservados, compondo um idílico refúgio pétreo; o mau: no meio dos turistas que chegam muitas vezes trazidos pelos cruzeiros durienses é difícil encontrar alguém local.

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