O percurso principal, que se estreia no Siq (o desfiladeiro de entrada, que sempre foi um elemento precioso da defesa da cidade) e atravessa o vale onde se situam as edificações mais relevantes, significa uma “pequena” caminhada de quatro quilómetros. Há outras rotas complementares muito interessantes, que vão surgindo em sucessivas bifurcações, desafiando as artes de organização do caminheiro.
O viajante saberá de tudo isso pelos livros ou pelas brochuras e mapas que trocará por alguns dinares à entrada. Às primeiras horas da manhã, com os turistas mais madrugadores a posar diante do Khazneh al-Faraoun ou de um punhado de camelos ataviados com coloridas albardas, figurantes dóceis à espera de passageiros, talvez lhe pareça parca a aventura e fraco o desafio de por ali andar à procura de antiguidades. Mas as primeiras radiações de luz matinal sobre a fachada do Khazneh al-Faraoun e os mistérios indecifráveis que encerra são um alento para a jornada. Terá sido mesmo o Khazneh, nos antanhos de dois mil anos atrás, um templo? Ou mausoléu de um dos últimos monarcas dos nabateus? A urna funerária que culmina a fachada, acima de belos capitéis coríntios e de colunas jónicas, guardou em remotos outroras algum tesouro, como narram as lendas da tribo bdul? O interior, esse, é de uma glória distinta, é como o de muitas outras tumbas e templos de Petra, uma sala vazia, cavada com geométrica diligência na pedra, muito mais austera do que a câmara das aventuras do inverosímil arqueólogo Indiana Jones em A última cruzada.
O império nabateu
O desfiladeiro continua em direcção ao centro de Petra, ladeado por uma série de túmulos, acabando por desaguar numa ampla ágora, que se considera ter sido o centro cívico da urbe. Nas paredes rochosas continuamos a ver tumbas — escavadas e esculpidas em arenito, como quase todos monumentos da cidade — sobrepostas até dezenas de metros de altura. Na face poente, um magnífico exemplo do zénite civilizacional de Petra: um grande teatro greco-romano com assento para oito mil espectadores. Data do primeiro século d.C., de uma época em que os nabateus já haviam cedido à conquista por Roma, só depois de muita resistência e de terem, até, subornado um legião inteira enviada para os subjugar...
Antes de ser designada capital da província romana Arabia Petrea, Petra conseguiu manter-se independente mais de meio milénio, quer pelas notáveis defesas naturais proporcionadas pela sua localização nas entranhas das montanhas Shara e rodeada por desertos, quer por mor de hábeis manobras diplomáticas que asseguraram, também, o controlo de toda a parte ocidental do deserto arábico. A prosperidade do reino nabateu teve sustento numa particular argúcia comercial, a partir dessa posição de dominância. Petra obteve largos benefícios da cobrança de direitos de passagem pelos seus territórios de caravanas com especiarias orientais que cruzavam a Arábia ou iam do porto de Aqaba, no Mar Vermelho, em direcção a Damasco e ao Ocidente. Se este tipo de exploração de rotas comerciais era comum nesses tempos, parece que os nabateus, bons e atentos empreendedores, ter-lhe-ão juntado também o comércio, a pilhagem e a pirataria no Mar Vermelho. A seu tempo e pelas instâncias devidas chegou o reconhecimento do esplendor e prestígio alcançados: a referência do geógrafo Estrabão a uma cidade cosmopolita e próspera (e “muito bem governada”, no Livro XVI da sua monumental Geographia, e a visita do imperador Adriano no início do século II d.C.