Gisela João não se esqueceu da data: 1 de Agosto de 2010. Depois de um concerto em Viana do Castelo, a fadista meteu-se no carro com os técnicos de som, de luz e o produtor, passou pelo Porto, pegou nas malas, na gata Mimi e, juntos, fizeram-se à estrada. Nessa noite, dormiria em Lisboa. E na noite seguinte também. E em todas as outras a seguir.
Chegaram a Lisboa já passava das seis da manhã, “cansados”. O apartamento da amiga, onde ia passar a primeira noite, era num quinto andar: “Eles tiveram de levar as minhas malas todas até lá cima”, recorda. “Fizemos a viagem de madrugada. A Mimi a miar… A minha gata foi a minha grande companheira no primeiro ano em Lisboa. Se não fosse ela, acho que me tinha ido embora. Não conhecia assim muita gente”, lembra.
Estamos no Castelo de São Jorge: “A vista é linda”, diz. Como já viveu na Mouraria, o castelo foi um dos primeiros sítios que descobriu. “À tarde sentava-me aqui a ler, a bordar…”. Já foi madrinha da marcha do castelo. “Havia aqui um festival de fado, vinha assistir, cheguei a cantar aqui.” Ao longe, vê-se o casario, a Ponte 25 de Abril, o rio largo.
Hoje, Gisela João continua a gostar da companhia de gatos, espanta-se com todos os bichos que, dentro do castelo, passam por ela, mas já conhece muitas mais pessoas. Sai pouco, não tem uma vida tão boémia como a que tinha no Porto. Mas nessa altura não era ainda a Gisela João que é agora, que muita gente conhece nas ruas. Hoje não se deita tarde por causa da voz, justifica que não pode dizer às pessoas que apanhou uma gripe, o público pagou bilhete. O trabalho é uma “obsessão”. E Lisboa foi a cidade das conquistas, dos grandes reconhecimentos, viu o seu disco de estreia ser aclamado o melhor álbum português de 2014 por muitos críticos, e Lisboa foi também a cidade de novas amizades. Foi nela, por exemplo, que conheceu Camané, que a fadista ouve “como quem bebe água”: “Ficámos amigos.” Falar do que conseguiu ainda a embaraça, diz que parece que não está a contar a sua história, só depois é que se apercebe: “Espera lá, aconteceu mesmo comigo.”
Tem 31 anos e parece uma menina. Ali, no castelo, nem lhe custa admitir que gosta daquele imaginário, dos reis e das rainhas. “Como adoro histórias de princesas, isto era um sítio espectacular, porque vivia perto.” Faz bonecas de panos, tem uma na casa de fados Maria da Mouraria, onde também ajudou na decoração. Gosta de sair de casa de manta, estica-a e deita-se no Castelo de São Jorge — descobriu que, morando em Lisboa, não paga nada para entrar —, deita-se na relva do Jardim da Estrela, lugar para onde a podem convidar para tomar café todos os dias, no Miradouro da Senhora do Monte. Ali fica a fazer bonecas, bordados, tricot, crochet. “Ponho uma manta no Jardim da Estrela, espalho as linhas e os tecidos ao sol e passo a tarde a bordar. Fazia isso no castelo, com a vantagem de o castelo ter gatos. Mas no Jardim da Estrela há flores, adoro o verde. Talvez por ser minhota, adoro aquele jardim, é muito calmo. Levo um saquinho com pão seco para dar aos patos e uma cesta tipo piquenique, ponho música alta, tipo mitra mesmo, com o fado a sair das colunas do iPhone.”