- Sempre contamos consigo? – diz-me agora o telemóvel.
Ganho a manhã, mas perco as horas. O frio britânico não congela a falta de pontualidade portuguesa. Peço desculpa, digo que vou a correr.
- Não corra, podemos encontrar-nos no St. Nicholas Market, se quiser, almoçamos sempre aí – responde-me mais uma vez James Bogie, sempre solícito. - Somos um grupo de dez pessoas. Tenho uma camisola vermelha com coração amarelo.
James estuda medicina e criou estes tours de duas horas e meia por amor à cidade. Todos os sábados, sempre às onze, sempre grátis, embora não tenha nada contra as gorjetas. Não chegámos a encontrar-nos, reproduzo apenas o que li na Internet.
No mercado já não havia camisolas vermelhas com corações amarelos, apenas decorações de Natal e um sem número de pessoas, britânicos e não britânicos, turistas e estudantes, à procura do melhor prato marroquino, inglês, italiano ou português. Um mercado criado em 1743, o mais antigo da cidade e um dos dez mais icónicos do Reino Unido, rezam os estudos de opinião. O ambiente é semelhante aos novos mercados de Campo de Ourique ou da Ribeira, em Lisboa, apenas mais genuíno, descontraído e barato. Entre as muitas barraquinhas está o Portuguese Taste, de Maria de Lourdes Papanca, dona e uma das cozinheiras.
- Pode ser meia dose de bacalhau com natas bem servida, por favor – pede um jovem casal de grafitters à minha frente.
- Não há meias doses bem servidas. Meia dose é meia dose, uma dose é uma dose. São servidas como tem que ser.
Bristol no seu melhor. A nossa pátria é o feitio português.
Cidade verde
Bristol não é — nem quer ser — Londres, não tem a mesma dimensão, a mesma multiculturalidade (palavra também ela mil vezes repetida por estes dias), mas tem uma geografia, arquitectura e personalidade que a tornam surpreendentemente rica e familiar. Bastam quatro ou cinco dias e já é um pouco nossa.
Maria, 33 anos, nasceu e cresceu em Madrid, fez Erasmus em Bristol, seguiu para Londres e voltou à sua casa adoptiva depois de dois anos na capital britânica. Trabalha para o turismo, está a fazer um inquérito e quer as minhas impressões, mas é ela quem faz, afinal, o diagnóstico.
- Bristol é uma cidade média, com uma vida cultural e artística de grande cidade, mas sem os problemas das grandes cidades. Pena não ter metro.
- Não precisa. Não seria a mesma. Bristol tem a dimensão certa para ser descoberta a pé. Nem tudo é perto, nem tudo é plano, é certo, mas a cabeça anda sempre levantada, à procura de mais edifício histórico, de mais uma galeria, mais um grafitti gigantesco no topo de um prédio. De tal forma impressionantes, gigantes e tão lá no alto que há momentos em que não se percebe muito bem se foram os homens que subiram aos céus, se os deuses ou anjos mais rebeldes que desceram à terra para pintar.
O autocarro turístico também é uma das boas opções. Sim, The City Sightseeing Bristol open-top bus tour, isso mesmo. Não é cool, é artificial, é turismo de pacote, é um lugar-comum, enfim, está longe de ser a melhor forma de conhecer um destino, toda a gente sabe, sobretudo para um jornalista de viagens, mas aconteceu. Que isto fique só entre nós. A história é simples. Estava sentado numa paragem de autocarro a aproveitar a rede wireless de uma loja ali ao lado quando o autocarro parou.?