Fugas - Viagens

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Há Almagro, há Almodóvar e há Volver

Almagro é, como outros lugares em Espanha, uma cidade onde o verbo partir raramente é conjugado mas já outro, volver, como o que dá título ao filme de 2006 de Pedro Almodóvar - com Penélope Cruz no papel de Raimunda, uma mulher com uma língua comprida que não se deixa manipular - é um dos mais utilizados.

- No início, não se sentiram muito os efeitos da crise económica mas hoje já não passam despercebidos a ninguém. A população é solidária e actualmente são muitos os que convidam um amigo ou um parente para trabalhar, ocupando um lugar que antes era de um albanês ou um romeno. Mas, se olharmos um pouco para trás, não mais de dez anos, quem queria, nessa altura, trabalhar no campo, na agricultura? Ninguém! E, hoje em dia, perante uma taxa de desemprego tão elevada, quem se recusa a fazê-lo? São muitos aqueles que, à falta de melhor, é certo, se sentem felizes quando chega a altura das vindimas ou da apanha da azeitona, porque são épocas do ano em que o trabalho, embora sazonal, está garantido.

Volver, não o filme mas o significado, está perfeitamente enquadrado na realidade de Almagro, um regresso às origens, a um mundo do qual parecíamos tão distantes, do qual nos sentimos, ao mesmo tempo, tão próximos, talvez porque, mais tarde ou mais cedo, todos nós temos uma necessidade forte de regressar.

- Não concebo a ideia de deixar esta cidade. Se não emigro não é por falta de ambição – eu sou ambiciosa - é porque me sinto feliz aqui.

O vizinho cineasta

As ruas de Almagro recordam e perpetuam a grandiosidade do seu passado, mesmo silentes, como a esta hora da manhã, transportam-nos para um tempo glorioso. A visão da Plaza Mayor, com a sua estrela de um branco sujo envolta por seixos de múltiplas cores, as casas com as suas incontáveis janelas, com o verde das fachadas a sobressair contra o céu azul sem uma única nuvem, as colunas que as suportam estoicamente como molduras das pequenas lojas de comércio, de bares e restaurantes – tudo seduz, naquele rectângulo irregular e desde o primeiro momento, o viandante que por ali chega.

“Adoro a austeridade destas ruas, o solo empedrado, as janelas de ferro preto, sem vasos, sem qualquer tipo de adornos. O rés-do-chão obscuro. A luz intensa do dia”, assim descreveu Pedro Almodóvar a cidade de Almagro, declarada Conjunto Histórico-Artístico em 1972, no dia em que filmou a última sequência de Volver, no diário de rodagem publicado no site www.clubcultura.com.

O realizador nasceu, em 1949, em Calzada de Calatrava, uma pequena aldeia de Castela- Mancha situada a pouco mais de 20 quilómetros de Almagro. Com apenas oito anos, Pedro Almodóvar partiu, na companhia dos pais, os Almodóvar Caballero, para a Extremadura, mas sem alguma vez perder o contacto com a terra-natal, onde reside grande parte da sua família, tanto paterna como materna. Com a morte do pai, Paca Caballero, a mãe, optou por volver à aldeia, adquirindo uma casa na Calle do General Aguilera, no número 7, em tempos habitada pela mãe, Raimunda, o nome da personagem que Penélope Cruz interpreta, pungente. Paralela, corre a Urbano Morales, onde nasceu Pedro Almodóvar, no 48, numa casa pintada de cinzento, porta em castanho e janelas com as suas persianas verdes. O cineasta, já famoso, volvia, com frequência, à sua aldeia, onde a mãe organizava, em conjunto com as vizinhas, verdadeiras conferências de imprensa, quebrando a rotina das suas tardes, caracterizada, de forma tão exemplar, em Volver, um recuo até ao tempo em que Paca Caballero se sentava à porta e conversava com a vizinhança. Entre esta, surge Agustina, interpretada na película por Blanca Portillo, o nome da proprietária da casa na Plaza Mayor, escolhida por Almodóvar após visitar centenas de moradias com pátio em mais de cinco dezenas de lugares. Em Volver há uma Paula, também, vizinha de Agustina e no papel desempenhado por Chus Lampreave (o interior da casa foi filmado em Madrid); em A flor do meu desejo, de 1995, no qual Leo Macías (Marisa Paredes) é uma escritora de romances cor-de-rosa que escreve sob o pseudónimo de Amanda Gris, a casa onde se rodou o inquietante regresso ao passado da protagonista, naquela que foi a 11.ª longa-metragem de Almodóvar, está igualmente situada na Plaza Mayor, a meia-dúzia de passos da casa de Agustina.

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