- É pena. Vendi tudo. Esta não é a época. De outra maneira, convidava-o a provar.
O idoso afasta-se e eu deixo os olhos pousar de novo na Plaza Mayor, agora com as suas fachadas de um verde cada vez mais brilhante contra um céu cada vez mais azul. A praça sofreu importante transformação no século XVI, uma metamorfose que coincidiu com a chegada a Almagro dos Fúcar – castelhanização do apelido Fugger –, banqueiros alemães que eram vassalos do Imperador Carlos V, a quem foram arrendadas as minas de mercúrio de Almadén como forma de gratidão pelo apoio da banca familiar durante as guerras europeias. É por essa altura, de apogeu, que se erguem novos edifícios na Plaza Mayor, com as suas janelas por onde agora espreita uma ou outra idosa, conferindo a este cenário magnificente uma nobreza tão singular e tão difícil de encontrar noutras praças de Espanha. Recebendo a designação de Praça da Constituição, da República, Praça Real ou Praça de Espanha, denominações surgidas antes da Guerra Civil, a actual Plaza Mayor foi alvo de restauração na década de 1960 e os trabalhos, concluídos sete anos mais tarde, com a assinatura do arquitecto Francisco Pons-Sorolla, continuam a expressar, ainda hoje, mesmo em tempo de crise ou quando a praça se deixa envolver por uma estranha melancolia, muito do esplendor e nobreza que já ostentava no século XVI.
O mítico Corral de Comedias
A Plaza Mayor inspira, a qualquer hora do dia, serenidade, dela emana uma espécie de magnetismo que, como um íman, nos prende, convidando a ficar por ali, admirando a sua imponência, os olhos estendendo-se por uma largura que ultrapassa os 30 metros e um comprimento superior a 100, a vida sem pressas passando por olhos vagarosos, como se o mundo, pelo menos por uma fracção de tempo, se resumisse àquele cenário tão carregado de história e de memórias.
Para a direita, para leste, ainda sem receber os raios do sol, o edifício que acolhe a câmara municipal, também alvo de sucessivas obras de restauro, a mais importante das quais em 1865, levada a cabo pelo arquitecto Cirilo Vargas y Soria, com o seu escudo com as antigas armas da cidade e, no ângulo esquerdo, o seu relógio encimado por uma torre que suporta uma estrutura em ferro forjado e que, por sua vez, serve de apoio ao sino que de quando em vez ouço repicar.
Para a esquerda, depois de uma passagem que conduz até casas caiadas de um branco imaculado, bordejando, de um lado e do outro, o empedrado quase sempre entregue à sua solidão, surge, uma vez transposta uma porta e um cortinado, o Corral de Comedias, único com estas características em todo o país. Com rigor, não se pode definir o ano da sua construção mas alguns estudiosos defendem a tese de que terá sido erguido em 1628 por Leonardo de Oviedo – uma visita, mesmo curta, torna a data pouco importante, melhor mesmo é sentir os cheiros e adentrar-se, se possível, pelos seus camarins, pelas suas galerias, fitando as suas vigas pintadas de almagre que se destaca sobre a cal. E, se passar por Almagro em Julho, não perca a oportunidade (os ingressos desaparecem rapidamente) de assistir ao mediático Festival Internacional de Teatro Clássico, o mais importante de Espanha, reunindo actores e companhias de teatro que representam obras de autores clássicos, como Lope de Veja, Molière, Shakespeare, Calderón e Zorrilla, entre outros.