São três semanas que passam muito rápido, com grandes choques culturais. As pessoas ficam fora da sua zona de conforto. Não é tão exigente pela intensidade física, como o é pela diferença.” Começa-se pela herança soviética, tem-se uma experiência nómada (estadia em yurts incluída) e entra-se na China por Xinjiang, uma região autónoma de maioria muçulmana (“zona complicada em termos políticos, com atentados na capital”, onde é necessário “gerir bem os sítios a visitar”) — um deserto ainda se interpõe antes da chegada à China imperial, que é como quem diz à Grande Muralha e ao exército de terracota.
E, provavelmente, esta China imperial é o mais reconhecível na viagem, que tenta aproximar-se do modo de vida dos locais visitados, com visitas a mercados e a outros locais comerciais típicos, deambulações pelas ruas, dormidas em guest-houses, albergues ou tendas, refeições em restaurantes tradicionais ou na rua, utilização de transportes públicos (comboios, autocarros e táxis partilhados), passando ao lado dos circuitos turísticos mais comuns. Mas também estes são incontornáveis nestas viagens.
Não importa se a viagem à Índia que Rafael Polónia vai estrear em Outubro passa por Khajurahu, com os seus templos preenchidos por esculturas eróticas: “Se vamos à Índia temos de ir ao Taj Mahal”. E quando é necessário, recorre-se a guias locais especializados em determinadas áreas. “Quando faço a viagem à Pérsia, por exemplo, contrato sempre um guia para nos acompanhar a Persépolis.” Da mesma forma, Carla Mota trabalha com agências no terreno sempre que os transportes públicos não permitem chegar a determinado destino, como a cidade-oásis de Kashgar — e como está num região em que há “reconhecidas violações dos direitos humanos do povo uigur” faz questão de trabalhar com esta minoria étnica. “Em qualquer lugar é assim, mas aqui ainda é mais importante.”
Conforto ou autenticidade?
Se nestas viagens o inesperado não é raro, são também comuns os improvisos. Rafael Polónia assume que tem sempre um plano mas chega a uma altura em que dá a escolher aos participantes, “é importante que as pessoas sintam que podem mudar um pouco o rumo das viagens”. “Querem continuar a ver mesquitas ou ir a um mercado?”, exemplifica, provavelmente influenciado pelas suas duas últimas viagens, a Istambul.
Estava, aliás, na cidade turca quando uma sinagoga foi atacada e já tinha um segundo grupo para levar — estudantes do secundário e três professores. Quando regressou a Portugal foi falar com os pais. “É preciso dar uma ideia de segurança, estabelecer uma relação de confiança.” O grupo manteve a viagem.
A verdade é que Rafael passa muitas horas por semana a conversar com as pessoas que viajam com ele, a esclarecer dúvidas, a tranquilizar, a estabelecer uma relação. Assume também que, por exemplo, a sua viagem ao Irão chama-se deliberadamente Pérsia para não criar anticorpos à partida. “Eu já lá estive muitas vezes, sei que é tranquilo, mas a imagem projectada não é assim.”
E os problemas de segurança são um dos imprevistos a que estas viagens estão sujeitas, dados os destinos que às vezes se situam em regiões de alguma turbulência social ou política; outros podem passar pelas condições meteorológicas ou burocracias várias. Como a passagem de fronteiras, que, conta Carla Mota, no caso da passagem do Quirguistão para China, implica a contratação de uma agência local para ir buscar os viajantes e pode ser um verdadeiro teste à paciência, com “esperas de três horas enquanto os funcionários não fazem mais nada” e até exploração minuciosa de telemóveis, fotografias incluídas.