Não é todos os dias que se pode encontrar um comboio da primeira metade do século passado prestes a partir na Estação Central de Milão, em Itália. Portanto o momento é de pompa e circunstância e há mesmo direito a coro de música clássica e quarteto de cordas. Já no interior das carruagens, de compartimentos impecavelmente forrados a madeira, os convidados vão-se acomodando nos bancos de veludo. A música de Adele que sai do precário sistema de som não combina com o momento. Porém, quando o comboio finalmente parte, pelas onze da manhã, já ninguém se incomoda com o detalhe.
O destino é Tirano, 150km a norte do país, na província de Sondrio, às portas da Suíça, numa jornada que terá continuidade no dia seguinte, já neste país, num outro comboio. A iniciativa tem um propósito: mostrar a uma comitiva de jornalistas e operadores de turismo a gastronomia das regiões transfronteiriças de Valtellina (Itália) e Valposchiavo (Suiça), com o intuito de atrair uma fatia dos 20 milhões de visitantes que se espera que se desloquem à Expo Milão 2015, entre Maio e Outubro. Segundo Matteo Mauri , responsável pelas relações institucionais do evento, “a Expo é uma oportunidade”. “Não queremos que seja apenas um evento que dure seis meses, mas também uma ocasião para mostrar o que de melhor temos à nossa volta. Não queremos que as pessoas venham a Milão e depois partam para Paris ou Londres. Queremos que visitem a região. Como, neste caso, as regiões de Valtellina e Valposchiavo”.
Uma hora depois estamos na carruagem-restaurante para o almoço, preparado por chefs da região com estrelas Michelin. Os aperitivos foram servidos ainda nas cabines: chips de bresaola, esferas de queijo e polenta cremosa, produtos do território numa interpretação contemporânea.
Os montes Resegone surgem agora na paisagem. Dantes nenhum prédio podia subir de forma a perturbar a vista, mas hoje já não é bem assim. Durante meia hora ladeamos uma boa parte dos 45 quilómetros do lago Como com vários túneis pelo meio. Procuro o cliché, a casa de George Clooney ou, pelo menos, a bela mansão onde filmou Ocean’s Twelve. Em vão. Talvez me tenha passado despercebida enquanto apreciava o bife tártaro com variações à base de queijos locais de Antonio Borruso, do restaurante Umami do Hotel Eden (Bormio) ou os gnocchetti de trigo sarraceno com cogumelos porcini de Ivan Schenatti, filho da região, mas a oficiar em Paris, no restaurante que leva o seu nome. Tendo em conta o balouçar habitual num comboio de respeitável idade, nada descarrilou: nem a confecção, nem os empratamentos, nem os copos de vinho que escorriam soltos em gargantas sequiosas.
Quando o lago Como acaba começa a região de Valtellina, um dos quatro vales que fazem de cortina para o centro da Europa. Uma boa parte do território é composto por áreas protegidas, entre monumentos, reservas e parques naturais e o nosso percurso vai atravessando aldeias e vilas antigas, com as suas torres, castelos e igrejas, rodeadas de prados e vinhas. Não é de espantar que este seja um paraíso para caminhantes de montanha e ciclistas corajosos, mas não nos esforcemos em vão.