Fugas - Viagens

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Madeira, o prazer de um abismo verde e azul

Elevador vinha acima

Ao longo da costa, aos pés de um penhasco e outro, surgem pedaços de terra cultivada, que a geografia parece ter caprichosamente deixado por condescendência ao Homem. É numa destas fajãs que nos despedimos de Hélder. Chegámos de barco, partiremos num elevador escarpa acima, as duas únicas formas de pisar esta língua de terreno, com pouco mais de 13 hectares, encolhida entre o mar e uma falésia de 250 metros de altura. A Quinta da Fajã dos Padres é pequena e de difícil acesso, porém não nos falta nada a não ser tempo suficiente para aproveitá-la em pleno. Há uma praia comprida de negros calhaus rolados, há um solário junto ao cais com espreguiçadeiras e guarda-sóis, um restaurante com esplanada, nove casas recuperadas para turismo rural. E ainda uma história que se liga aos padres e a uma casta (quase) perdida.

“Este edifício é da época dos jesuítas. Remonta aos anos 1500”, conta Catarina Vilhena Correia, neta dos actuais proprietários. Estamos na antiga adega, entre barricas de vinho Madeira e Catarina vai recolhendo o licor de uma delas com uma inusitada colher esculpida numa cana-de-açúcar (imagine-se um tubo de ensaio que se estende numa comprida pega), despejando um Malvasia de 2001 pelos copos enquanto conta a história da quinta. 

“O nome vem dos padres da Companhia de Jesus, que foram os proprietários durante mais de 150 anos”, recorda. “Foram eles que plantaram a casta Malvasia, acredita-se que trazida de Creta [ilha grega].” Entretanto, a quinta foi conhecendo outros proprietários e na segunda metade do século XIX a vinha é dizimada pelo oídio e pela filoxera, doenças que provocaram uma crise vinícola na ilha. “Acreditava-se que o Malvasia tinha desaparecido daqui [da fajã]. Até que em 1980 um antigo trabalhador encontrou um pezinho. Foi enviada para os Laboratórios de Oeiras, reproduzida e hoje algumas vinhas ainda são enxertos dessa planta”, conta. 

A Malvasia é uma das mais de 30 castas autorizadas na produção do vinho Madeira, sendo uma das “mais nobres”, juntamente com a Sercial, a Boal e a Verdelho, explicava-nos na tarde anterior Rita Galvão, numa prova de vinhos harmonizada com sushi de fusão, realizada pela Wine Tours Madeira no novo Armazém do Mercado, no Funchal. “Com a Sercial produzem-se vinhos de tipo seco, com a Verdelho meio secos, a Boal dá vinhos meio doces e a casta Malvasia os doces, geralmente mais encorpados e de cor avermelhada”, enumerava. “O vinho Madeira sempre foi essencialmente de exportação. Os madeirenses respeitavam-no, mas bebiam o que faziam em casa, com uvas que já não estariam próprias para a produção [e, por isso, já não é permitido fazê-lo]”, conta. “Talvez seja por isso que este tipo de actividades de enoturismo ainda esteja muito por explorar aqui na ilha.” 

A Quinta da Fajã dos Padres é então uma excepção. Está na família de Catarina desde 1921, quando o bisavô finalmente a comprou. “Ele vivia no Funchal e quando ia para os Canhas passava aqui de barco e ficava sempre fascinado com a fajã”, conta. Hoje a propriedade faz-se sobretudo de agricultura, vinha e turismo, mas sempre gerida em família.

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