Este mesmo passeio junto à praia tem palmeiras muito altas e conduz a uma das portas da medina. Lá dentro, por mais noite que seja, há vapores e luzes acesas, vendedores da madrugada, um arraial de gente para celebrar a lua do Ramadão, o mês em que ninguém quer dormir. “Vous voulez du couscous? [Deseja um cuscuz?]”, oferece um rapaz franzino que guia um carro ambulante. Perguntamos o que acompanha. “Cuscuz”, responde o rapaz, e levanta a tampa para nos mostrar a verdade. Mais à frente, um homem mais velho, de barbas negras, grelha sardinhas abertas sobre as brasas. Há quem leve duas sem pagar. Mas a afluência ao negócio é fraca. O iftar terá sido generoso nas casas da medina, onde as famílias se juntam em festa para sentir a polpa às tâmaras e o veludo ao hummus. “Tu veux des dates? [Queres tâmaras?]”, pergunta uma criança, e aí o filme é outro.
Há 30 anos, Essaouira era terra de pescadores; agora está voltada aos “surfs”: o simples, o kite e o wind. “Nos anos de 1990, decidiram que seria um lugar de turismo”, explica um dos nossos Mohammed, este dono de um salão de chá na medina. Está desgostoso, Mohammed, porque “o peixe é cada vez mais raro” e “a vida está cada vez mais cara”. Há quem tenha, por isso, partido para o campo, para as casas dos avós, onde há terra para cultivar. “Aqui só há souks [mercados] para comprar legumes, hotéis e restaurantes europeus. As fábricas de peixe dão muito trabalho”, constata o marroquino, remetendo-se ao silêncio na hora de preparar o thè à la menthe. Serve uma vez, duas, três, e senta-se na mesa ao lado à espera que a conversa evapore. Perguntamos se se sente com jeito para o comércio, como os habitantes de Marraquexe, o principal destino turístico do país. “Aqui em Essaouira não temos isso no sangue. Mas é a modernização…”
As coisas mudaram muito. De Casablanca para baixo, os marroquinos mal conheciam os europeus. “Bom, havia uns hippies que vinham para Essaouira, nos anos 70”, remenda Mohammed. Portanto, década de 1970 – hippies; anos de 1980 – pesca; e “nos anos 90 as mulheres começaram a mostrar o cabelo”. Depressa as novas gerações se desabituaram do sector primário e começaram a ver a sobrevivência noutras fórmulas. Como conta Mohammed, “no início, as crianças pedem canetas, mas depois crescem e já não são as canetas que lhes interessam; vêem turistas e pensam que já não é preciso ir à escola, porque há outras formas de ganhar dinheiro”.
O certo é que, pela manhã, no porto de Essaouira (e para quem dizia que o peixe está a acabar este é um templo de gaivotas e sardinhas a céu aberto), um pescador chama-nos para junto de um barco para mostrar os anzóis de cada peixe. Chama-se Abdul. “Este, maior, é para a dourada. Aquele é para as sardinhas. E ali estão os barcos, que também são todos diferentes.” Abdul está pronto a ensinar mais mas em Marrocos, ao segundo convite, é prudente desconfiar. Pode ser um equívoco, mas parece-nos que Abdul prepara-se para pedir dinheiro pela conversa, pela explicação. À volta, são caixas e caixas de sardinhas, peixes-espada sobre as bancas, colinas de redes de pesca, guarda-sóis a cobrirem as cabeças. “O peixe vai todo para Casablanca; não fica aqui nada”, diz Abdul, que não parece muito aborrecido com isso. Chateado fica quando percebe que não vamos pagar por uma conversa entre humanos.