Fugas - Viagens

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    Grande parte da costa atlântica marroquina são praias selvagens a transbordar de peixe e marisco Rute Barbedo
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Teremos sempre Marrocos

Por Rute Barbedo (texto e fotos)

Marrocos é tão longo que não sabemos quantas viagens cabem lá dentro. O pretexto desta viagem foram os portugueses, que andaram entre El Jadida e Essaouira.

Há quem defenda que foi preso em Itália, outros dizem que morreu em Fez, mas a imagem de um homem robusto que desaparece entre as folhas do nevoeiro é a história em que todos queremos acreditar. Quando cruzamos os labirintos de Marrocos, pensamos com a cabeça de Dom Sebastião: quem não se deixaria ficar por terras de Alcácer-Quibir, entre estes olhos negros e tecidos de conto?

Embora a costa por onde nos alongamos agora seja outra – a do Atlântico –, as datas pouco distam no calendário. 1502. Os portugueses andam fascinados por uma baía no Noroeste marroquino. Deitam-se sobre o areal a ver mais estrelas ali do que em qualquer vale transmontano. Passam-lhes caranguejos sobre os pés enquanto conversam sobre a qualidade da terra e vêem o peixe saltar furioso. Em 1513, está decidido: inicia-se a construção de uma cidade branca entre muralhas, com um castelo-forte junto ao mar. Chamam-na de Mazagão. Até ao século XVIII, será aqui o maior posto comercial desta linha costeira. A este porto chegarão barcos vindos de muito mundo, repletos de escravos e especiarias. Ao fundo estará sempre vigilante outra cidade branca, Azemmour.

No ano seguinte, voltam os arquitectos a ler poesia e, entusiasmados, decidem os traços a uma nova obra: a cisterna portuguesa, escura para lá de uma porta dentro da medina (cidade velha), fresca sob abóbadas ao estilo manuelino. “Nunca fizemos melhor em nenhum outro lugar, nem mesmo em Itália”, terá escrito João de Castilho (que dirigiu, com João Ribeiro, as obras e manobras de mais de mil homens em Mazagão) numa carta dirigida ao rei D. João III (segundo o portal do Património de Influência Portuguesa – HPIP, na sigla em inglês).

Tão inspirados andam os lusitanos neste amor pelo mar e pelas terras do Magrebe – e tão temerários se põem sempre que um nativo espreita – que se esmeram na construção do forte. Erguem muralhas altas de cantos limados e cinco baluartes prontos a cruzar fogos com o inimigo. Através das janelas minúsculas, observam os marroquinos de rosto grave e ar cerrado e as mulheres desconfiadas, a esvoaçar em tecidos negros.

A verdade é que a presença estrangeira ao longo da costa atlântica de Marrocos – tida como uma importante base militar e de apoio às incursões no continente africano – nunca foi bem aceite, mesmo perante a insistência portuguesa. Enquanto alguns elementos do reino defendiam o investimento na Índia e nas Américas, “nem com o desastre de Alcácer Quibir os partidários da manutenção de Marrocos esmoreceram”, escreveu o historiador Filipe Themudo Barata. Mas os magrebinos não se deixaram dominar. Mazagão protagonizou o episódio mais longo desta história, que terminou na tomada do território pelo sultão Sidi Mohammed Ben Abdallah, em 1769. De coração partido, os portugueses puseram a cidade em chamas antes da retirada. Das ruínas nascia Al Mahdouma, hoje El Jadida, cidade classificada como Património Mundial pela UNESCO. Outros contos e noites de luar com inspiração portuguesa passam por Azamor, Safim e Essaouira (antiga Mogador). Seguimos-lhes a maresia, 500 anos depois.

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