Na loja de tintas de Maria Manuela, as latas alongam agora as noites com flores de papel e ramos de hera por companhia, o grupo de vizinhas senta-se em cadeiras de praia, enlaçam-se folhagens sem tempo a perder. Um pouco mais à frente, ainda na Rua 25 de Abril, os carros deram lugar a ramadas de flores brancas na garagem de Fátima Travassos e qualquer sítio serve para pendurar os fios floridos que formarão o tecto da rua durante a festa: as hastes de uma cabeça de veado decorativa, os pratos de parede da sociedade columbófila, o prego que segura um grande leque pintado. Na Casa do Sporting trocaram-se as minis e o futebol por um mar de papel de todas as cores e as salas das antigas escolas da vila estão transformadas em campos de flores.
Quatro anos depois da última edição, Campo Maior prepara-se novamente para florir o estio em Primavera de papel. Até à noite de enramação, que antecede as Festas do Povo, cada recanto disponível é sala de trabalho e armazém improvisado de frágeis e efémeros jardins, uma amálgama colorida de flores simples para o tecto e intrincados botões para as cordas, floreiras e colunas, lençóis infinitos de folhas verdes, torcidos e franjas. De 22 a 30 de Agosto, mais de 60 ruas estarão engalanadas a rigor, entre quase um cento de troços de via inscritos e outros tantos grupos de trabalho, cada um com o seu tema decorativo e (relativamente) secreto.
Na Rua da Moagem, este ano os enfeites terão como base de inspiração “uma planta que dá um fruto amarelo-alaranjado”, conta Teresa Grazina sem destapar muito o véu. É pela primeira vez cabeça de rua, tem a cargo a organização e distribuição dos trabalhos. “Somos muito poucos. A minha mãe forra os arames, a vizinha de baixo corta as pétalas, a minha sogra cola-as duas a duas, eu armo as flores e depois temos uma senhora a fazer os candeeiros e as cestas”, enumera. “Aqui já ninguém queria participar porque não há quase ninguém na rua ou são de muita idade, mas eu gosto disto, sempre vivi isto, metemo-nos de cabeça.”
Há grupos que já moldam papel desde os primeiros meses do ano, outros tentam recuperar o tempo perdido. Na Rua Capitão Manuel António Vieira, por exemplo, a decisão de participar só avançou no final de Abril. Dos 13 imponentes arcos — com mais de três metros de altura e iluminação interior — poucos estavam terminados a um mês das festas. “Temos de fazer mais de 500 flores por dia para conseguir acabar”, revelava Luís, sem que o entusiasmo desarmasse. Durante 15 anos viveu em Lisboa, “metia sempre férias de propósito para vir na semana das festas”. Agora, de regresso à terra natal, participa na decoração de uma rua pela primeira vez. “Sempre estive ligado às artes e à arquitectura. Isto é artístico, é inventar... vamos fazer”, sorri.
Para conseguir terminar tudo a tempo, há quem acorde às 6h para fazer flores antes de ir para o emprego, outros aproveitam a hora de almoço ou os tempos mortos nas lojas onde trabalham. Para a maioria, as noites e os fins-de-semana são de dedicação religiosa às festas. Ao final do dia, uma porta entreaberta em cada rua esconde um grupo de vizinhos entre caixotes de flores, algazarra e rostos concentrados. “Deitas-te a pensar no que tens de fazer de manhã e acordas a pensar no que tens para fazer o dia todo”, solta Teresa. Sabe os números de cor. “Cada fio do tecto tem 5m e leva 35 flores, são mais de 100. Depois temos 60 cordas no meio, 20 flores cada, mais 60 cordas nos lados e 60 colunas”. “É muito trabalho, mas nesse dia é como na casa das noivas, aparece tudo feito”, ouvimos-lhe agora, a mesma comparação repetida por outros moradores.