Ao lado, o museu da catedral de arte sacra, com uma relevante mostra de obras pictóricas, escultóricas e de artes sumptuárias, com particular incidência da época do barroco, bem como uma significante colecção de ourivesaria e de ornamentos litúrgicos.
Para a minha direita, o mar, o sol varrendo as águas, prateando-as, mil espelhos cintilando quando a tarde avança cheia de pressa — e sobre as areias, um homem entregue à sua solidão, fitando o horizonte.
“Que se fazia porém de Ceuta? Muitos opinavam pelo abandono, recolhido, como estava, o saque: eram os que ignoravam os vastos desígnios do infante, ou os não aprovavam”, escreve ainda Oliveira Martins.
Desde esse dia longínquo da tomada de Ceuta e durante mais de dois séculos — até os ceutenses manifestarem a sua vontade de integrar a coroa de Castela, em 1640 —, a cidade “viverá, falará e sentirá em português”, como se pode ler num dos folhetos que promovem o turismo local. Ceuta conserva na sua bandeira o escudo e as armas portuguesas e as autoridades políticas não negam, em momento algum, a importância da presença de Portugal, definida como um ponto de viragem na história da cidade.
“É um dever de todos os cidadãos de Ceuta recordar esta data (21 de Agosto de 1415). Um povo sem história e sem memória é um povo sem identidade e sem futuro. A chegada dos portugueses marcou um antes e um depois na história da cidade. Marcou o futuro e a estabilidade territorial que se manteve desde aí. Nada foi tão importante como a chegada dos portugueses a Ceuta”, admitiu, não há tanto tempo como isso, no Senado de Madrid, a senadora ceutense Luz Elena Sanín.
Ceuta torna-se, rapidamente, na principal base dos corsários portugueses e permite alargar os horizontes de uma ambição sem limites e sem fronteiras e que ia muito mais para lá do controlo do movimento das embarcações que rasgavam o Estreito de Gibraltar ou de sabotar o comércio entre o Reino de Granada e Marrocos.
Face à sua posição estratégica, Ceuta atraía caçadores de fortunas, outro tipo de sonhadores, degredados, uma população marginal que emprestava tudo à cidade menos uma verdadeira estrutura social baseada na tradição — todo um conjunto de actividades pouco (nada) nobres, como a pirataria e, mais tarde, o tráfico de escravos.
Em meados do século XVI, também Luís de Camões viajou para Ceuta, onde combateu e perdeu o olho direito, um facto que haveria de marcar o poeta, autor de Os Lusíadas, até ao fim dos seus dias.
“Eis mil nadantes aves
pelo argento
Da furiosa Tethys inquieta
Abrindo as pandas asas
vão ao vento,
Para onde Alcides
pôs a extrema meta.
O monte Abila
e o nobre fundamento
De Ceita toma,
e o torpe Mahometa
Deita fora,
e segura toda Espanha
Da Juliana, má,
e desleal manha.”
Todas as religiões
Em Ceuta há mais estátuas. Na Avenida de España, há uma que representa a convivência, um prémio criado em 1998 pelas autoridades locais que apoia e promove o respeito entre diferentes culturas. Viajar por Ceuta é como percorrer os caminhos do passado; ao fundo, avista-se a fronteira com Marrocos que, observada e sentida do outro lado, expressa mais uma ideia de futuro, feita de desejos e de viagens sonhadas e tantas outras vezes adiadas. Ceuta, a Europa em África ou África na Europa, é uma cidade onde parecem caber todas as culturas e, a despeito da sua reduzida área, todos os povos e todas as religiões.