Fugas - Viagens

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Madagáscar: Não é nada fácil chegar até aqui, mas mais difícil é partir

Por Sousa Ribeiro

Île aux Nattes e Ifaty, uma no nordeste, a outra no sul do país, embora distantes entre si, têm em comum as belezas naturais e a simplicidade das suas gentes. E à medida que os dias se vão esgotando sem pressas, ao sabor do embalo das ondas e da alegria do povo, a atracção que exercem sobre o visitante aumenta mais e mais.

Reinava o silêncio quando, por fim, o taxi-brousse, depois de parar aqui e acolá, descarregar sacos, caixas, colchões, tábuas, chapas de zinco, acolher galinhas e todos os passageiros possíveis e sempre mais um, deu um último suspiro numa rua de terra batida bordejada por meia dúzia de casas. Quando o motorista do veículo desligou as luzes, o pequeno largo ficou nas trevas - não sabia que chão pisava, tão-pouco percebia em que ponto da vila me encontrava exactamente. A viagem, desde Antananarivo, a capital de Madagáscar, Tana para os mais íntimos, com uma curta escala em Toamasina, fora longa, cansativa, o corpo exigia repouso e o estômago pedia algo para saciar o apetite.

Limitei-me a seguir os passos de outros homens que, como eu, tinham acabado de chegar e, uma vez transposta uma porta, vi-me numa sala com pouco mais luz do que no exterior – resumia-se a uma vela por cada mesa. Olhava em redor mas apenas via silhuetas, uma ou outra sombra, fantasmagórica, desenhada nas paredes aparentemente lisas. Um silêncio sepulcral que, por breves segundos, associei a um velório e não ao ambiente de um restaurante. Mas o tilintar dos talheres e o prato que foi colocado à minha frente devolveram-me à vida – à realidade, perdão.

Não me recordava do nome da vila e os meus olhos, no meio daquela semipenumbra, também não ajudaram quando coloquei o guia sobre a mesa – com dificuldade viam o que comia. Hoje, quando penso no restaurante, tão modesto que nem baptizado foi, pergunto-me por que motivo não o achei, vendo o lado positivo da vida, um espaço romântico, com comida saborosa, à luz da vela, numa vila com uma toponímia tão sonante.

Soanierana-Ivono.

Saio para a rua e bem no alto, pálida, perscruto a lua, escondida daquela minúscula praça onde o táxi-brousse me deixara. Caminho lentamente, apenas iluminado pela bola redonda, quase às apalpadelas e chego, em poucos minutos, a um hotel – pelo menos anuncia-se como detentor desse estatuto.

- Tonga soa!

A senhora deseja-me as boas-vindas. Sou recebido com amabilidade, não na recepção mas na cozinha aconchegada onde o fumo azulado da lareira sobe pela chaminé escurecida, e de imediato conduzido ao meu aposento através de um corredor a céu-aberto. Abre-se uma porta, uma lâmpada com uma luz débil cai do tecto feito de ramos de palmeira e à minha espera, bem no centro do espaço exíguo, um colchão.

Pergunto-me: quantos corpos terá já acolhido este colchão ao longo de uma vida que me parece demasiado longa? Ter-se-ão sentido felizes pelo descanso que lhes proporcionou?

Eu sinto-me feliz mas é uma felicidade efémera, não mais do que breves segundos, porque o sono não tarda a derrotar-me mal um pensamento rodopia no meu cérebro: não te esqueças de escrever que esta não é uma viagem para todos os corpos e muito menos ainda para todos os espíritos.

Desligo a luz mas quase nem precisava de o fazer.

Dependente das marés

Aos primeiros alvores do dia, quando acordo e saio para o exterior, é que percebo que acabo de pernoitar numa estrutura em madeira que se semelha, apenas na forma, às casas típicas de Santana, na Madeira. No horizonte cavalgam umas nuvens claras, os cheiros a comida inundam o ar; na cozinha, por onde volto a passar antes de me sentar de frente para as águas opacas, tachos e panelas estão ao lume, mais um dia como tantos outros, com dificuldades mas com sorrisos e palavras.

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