Finda a visita à sinagoga, regresso de riquexó à Rose Garden Homestay, propriedade de uma família que reclama ascendência portuguesa. Após o jantar, uma trovoada e um aguaceiro bravio e rápido aliviam o ar abafadiço que sobrou do dia. Na televisão, indício dos dias que passam, à notícia de uma visita oficial do Presidente Narendra Modi ao Sri Lanka segue-se o anúncio de um documentário sobre refugiados sírios cansados do desterro no Líbano. Um rosto de mulher passa, fugaz, pelo ecrã, a voz anseia o retorno com a família à ruína da casa em Homs e no ar fica uma espécie de legenda de absurda esperança: “Pode ser que amanhã haja alguém que não tenha medo.”
As igrejas indo-portuguesas
Ao lado da Vasco da Gama Square, que muito pouca gente parece conhecer por este nome, à beira de meia dúzia de barraquinhas de comida de rua e de fruta, está um cais de onde parte, num vaivém contínuo, uma lancha de madeira para uma brevíssima viagem de minutos até à ilha de Vypin. Do cais à Igreja de Nossa Senhora da Esperança, um belo exemplar da herança arquitectónica portuguesa seiscentista no Malabar, são cinco minutos a pé. Foi pintada há pouco tempo, vê-se pela brancura da fachada, onde brilha um portal manuelino, e do cruzeiro, no limite do terreiro, do mesmo estilo que encontramos à beira de outras igrejas luso-malabares do Querala.
À paroquiana que se quedou uns instantes à porta toca-lhe uma intuição e interroga-se em voz suficientemente alta para ser ouvida: de onde vem o forasteiro que assim se põe em admirações a Nossa Senhora da Esperança? Da sua parte, oferece nome e apelido como um cantar de boas-vindas: Jessica Pereira. Daí a nada estamos no cemitério vizinho a confirmar as dezenas de nomes portugueses inscritos nos singelos túmulos: Mendes, Sousa, Paiva, Teresa, Rosa, Manuel.
Nossa Senhora da Esperança faz parte de um conjunto de igrejas indo-portuguesas dos séculos XVI e XVII, signos de uma mestiçagem arquitectónica e cultural que combinou maneiras manuelinas e maneiristas com influências hindus, nos terreiros e no colorido dos altares e das fachadas – e, até, nos monumentais cruzeiros, erguidos com elementos da arquitectura religiosa dos cristãos sírios do Malabar – ou cristãos de São Tomé, que chegaram à Índia muito antes dos portugueses. O significado histórico-artístico legitima um roteiro por algumas destas igrejas em Fort Kochi e arredores: Nossa Senhora da Vida, em Mattancherry, São Luís, em Mundamvely, São Sebastião, em Palluruthy, São José, em Chulickal, entre muitas outras. Nos distritos vizinhos de Kottayam e Alappuzha há também muitas igrejas interessantes. O périplo pode culminar numa visita ao Museu Indo-Português de Fort Kochi, criado com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian. O espaço conserva um importante espólio de arte sacra, incluindo peças originárias de vários templos, e informação útil para organizar visitas às igrejas indo-portuguesas.
A cinco minutos de caminhada das redes chinesas, na direcção de poente, está o mais antigo templo luso levantado no Oriente, a Igreja de São Francisco, construída por volta de 1518. Conserva muitos elementos portugueses, como um púlpito gótico e manuelino, e à direita da nave, junto de uma janela, repousa aquele que foi o primeiro túmulo de Vasco da Gama, antes da trasladação dos restos mortais do navegador para Lisboa, em 1538.