Fugas - Viagens

  • o canal Vembanad, à vista
das redes chinesas da ilha de
Vypin
    o canal Vembanad, à vista das redes chinesas da ilha de Vypin
  • Jew Town
Road, em plena Mattancherry,
está ladeada por lojas de
antiguidades e de especiarias
    Jew Town Road, em plena Mattancherry, está ladeada por lojas de antiguidades e de especiarias
  • Jew Town
Road, em plena Mattancherry,
está ladeada por lojas de
antiguidades e de especiarias
    Jew Town Road, em plena Mattancherry, está ladeada por lojas de antiguidades e de especiarias
  • Graff iti na Bastion Street,
junto à Basílica de Santa
Cruz. Na Jacob Road, ao
lado, tal como na Bazaar
Road, dezenas de graff iti
evocam temas culturais
do passado e do presente
de Fort Kochi
    Graff iti na Bastion Street, junto à Basílica de Santa Cruz. Na Jacob Road, ao lado, tal como na Bazaar Road, dezenas de graff iti evocam temas culturais do passado e do presente de Fort Kochi
  • Igreja de Nossa Senhora
da Esperança, na ilha
de Vypin.
    Igreja de Nossa Senhora da Esperança, na ilha de Vypin.
  • À direita,
em baixo, um
barco prepara-se
para desembarcar
passageiros num
recanto das
    À direita, em baixo, um barco prepara-se para desembarcar passageiros num recanto das "backwaters"

Índia: Das coisas que achamos no caminho de Vypin a Mattancherry

Por Humberto Lopes (texto e fotos)

Na Costa do Malabar e em Fort Kochi há muitas memórias portuguesas. O viajante, que se espanta com a vertigem da Bazaar Road, na antiga Cochim, dispõe ainda de um roteiro pelas igrejas indo-portuguesas e por muitas ruas ladeadas de casarões com marcas arquitectónicas de inspiração lusitana.

É um lugar-comum nas descrições ocidentais do subcontinente, desde a passagem de Marco Polo no seu caminho da China para Veneza, no século XIII: a variedade da Índia continua a ser o que mais impressiona o forasteiro. Muitos séculos depois, a fixação no estereótipo do contraste modela o sentimento espontâneo do viajante, por mais atento e avisado que esteja ao desembarcar – por exemplo, na paisagem bizarra do aeroporto de Bombaim, onde os gigantes A380 manobram numa pista completamente rodeada pelos casebres de um enorme bairro de lata.

A passagem pela capital do estado do Maharashtra é uma etapa que tem o préstimo de podermos dispor das primeiras linhas contrastantes com o destino final desta incursão – Fort Kochi, a antiga Cochim, onde os portugueses quinhentistas semearam uma inestimável herança cultural em termos de arquitectura religiosa e civil, de vocabulário – cerca de duas centenas de palavras - que subsiste no malayalam, a língua do Querala, de influências na gastronomia e em algumas expressões artísticas. Se o velho crioulo indo-português se extinguiu como desaparecimento dos últimos falantes, resta uma meia dúzia de apelidos, como Sousa, Costa, Cruz.

Com o rajá de Cochim, porto frequentado há séculos por árabes e chineses embarcados no negócio de especiarias, se entenderam os portugueses em acordos – uns comerciais, que foi para tais contabilidades que largaram do Tejo as naus (a par da obsessiva cruzada contra o Islão), e outros bélicos, contra o reino de Calecute, que tão aguerridamente recebeu os invasores. Nem Vasco da Gama nem Pedro Álvares Cabral tiveram aí grande sucesso e mesmo as hostes de Albuquerque se viram em grandes trabalhos no assalto à fortaleza, “onde acharam ali seiscentos mouros e naires, que os receberam como valentes homens”, conta João de Barros na Década II.

 Se em Cochim as gentes eram favoráveis, o lugar não o era menos: “Tem este reino um rio mui grande e bom…”, lê-se no Livro em que dá relação das cousas que viu e ouviu no Oriente Duarte Barbosa. E acrescenta o cronista: “… há muita pimenta e nasce em toda a terra… muito e formoso gengibre, belide e cardamomo, miramulanos, canafístula, zerumba, zedoaira e canela brava”. A cooperação com o rajá traduziu-se em abundante benefício para os recém-chegados: até à conquista pelos holandeses, na segunda metade do século XVII, foram nascendo igrejas, feitorias e fortalezas ao longo da costa do Querala, tornando-se Cochim uma escala crucial da Carreira da Índia e das naus que vinham das Molucas e de Malaca e na primeira cidade de perfil urbano “ocidental” da Índia. É possível encontrar sinais desses tempos um pouco por todo o lado, nomeadamente nos restos do forte D. Manuel e nos velhos edifícios coloniais, como a chamada Casa Vasco ou os casarões de Mattancherry.

O apoio em terra era essencial para o propósito de atacar e destruir o comércio muçulmano de especiarias no mar Arábico, cortando a cadeia que, via Egipto, abastecia Veneza. Para tal, recorreram os portugueses a um método expedito: criaram um sistema de salvo-condutos, os famosos “cartazes”, sem os quais nenhum navio estava autorizado a circular com carregamentos de especiarias ao longo da Costa do Malabar. Se lucraram os audazes recém-chegados, vantagem retirou daí também o reino de Cochim, que com a nova aliança passou a conhecer maior prosperidade do que a sua rival Calecute.

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