Fugas - Viagens

  • Adriano Miranda
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Brindar o Ano Novo com poncha

Delírios infantis à parte, o Funchal cresceu a partir daquela rua, paralela ao oceano. As muralhas de protecção da cidade foram erguidas junto ao Atlântico. A cidade desenvolveu-se então para oeste. Já depois do 25 de Abril de 1974, que trouxe a autonomia à região, instalaram-se alguns bares e restaurantes nas proximidades. A zona velha ainda esteve na “moda” alguns anos, mas voltou a perder capacidade de atracção. Foi substituída por outros pontos da cidade. Ficou fora da “fúria” “modernizadora” que se abateu sobre a ilha das últimas décadas. Ali resistem casas centenárias de um, dois ou três pisos, algumas com detalhes arquitectónicos curiosos, como as janelas de guilhotina tripla ou o recorte de varandas de cantaria.

“Percebi que havia um potencial enorme nesta rua no dia em que me sentei na esquina, em frente ao banco, e contei 462 pessoas a passar”, contou-me Márcio Nóbrega. “Foi aí que decidi investir. Com o projecto ‘Portas Pintadas’, criou-se uma nova dinâmica. Os madeirenses começaram a vir.”

Chama-se Portas Abertas, embora seja muitas vezes referido como “portas pintadas”. Resulta de um esforço do artista plástico espanhol José Zyberchema e do antigo secretário regional da cultura, João Carlos Abreu. Desenhos, frases ou esculturas — intervenções de artísticas e de não artistas da ilha e de fora dela — foram cobrindo as portas que dão para as ruas da zona.

“Eu andava a fazer fotografias por aqui”, relatou José Zyberchema, numa tarde em que se dispôs a acompanhar-me. “Todas as fotos que eu fazia eram de coisas deterioradas, estragadas, sujas. Perguntavam-me: porquê fazer fotos a isto? Era o que eu via! Pensei: ‘Há que fazer algo para tornar este espaço mais agradável à vista’. No mesmo Verão [de 2010] em que falei nesta ideia, já se estava a fazer a primeira porta.”

A primeira porta nem foi ali, na zona velha. A primeira foi na Rua da Carreira, no outro lado da cidade. “Tinha marcado vários pontos da cidade como espaços degradados. Não estava ainda decidido que se iria fazer isto aqui”, lembrou. Ali, na Rua de Santa Maria, a primeira porta pintada foi a da Tasca Literária Dona Joana Rabo de Peixe, no número 77, a dia 6 de Abril de 2011, pelo artista Mark Milewski.

O centro histórico é uma galeria a céu aberto. Uma porta com uma porta aberta para a rua; uma porta com uma rapariga nua, de costas, a segurar uma toalha; uma porta com uma rapariga de cabelos esvoaçantes numa paisagem impossível; uma porta com um cavalo-peixe; uma porta com uma banda estapafúrdia; uma porta com uma mulher e o seu cão; uma porta com um super-herói alado.

A porta de José Zyberchema é uma escultura de chaves, que ora parece uma coisa, ora parece outra. Já ali juntou três mil chaves. “Vou fazendo formas diferentes. Vou trocando. As pessoas levam chaves. Não me importo. A mensagem é que toda a porta tem uma chave. Esta tem muitas chaves para que a abra quem quiser.”

O madrileno, de 57 anos, radicado no Funchal, foi legendando cada uma das portas, que já não se esgotam na Rua de Santa Maria, que também se podem ver na rua dos Barreiros, na Travessa das Torres, na Travessa João Caetano, Rua Portão São Tiago, na Calçada, Calçada do Socorro, Largo do Corpo Santo, Travessa do Pimenta, Rua D. Carlos I, Rua do Aspirante Mota Freitas. “Poucas portas estão estragadas”, enfatizou. “As próprias pessoas que moram aqui cuidam das portas. Tomaram-nas como coisa sua. Este projecto não é para turistas. É também para as pessoas que moram aqui.”

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