A “new age”
Regressemos a 2008. “A oferta [de retiros] explodiu de então para cá”, analisa João Cruz, editor do blogue Escapadinhas Espirituais, uma agenda online de retiros organizados no território nacional. Para que não haja equívocos, “estamos a falar sobretudo de retiros no âmbito das novas espiritualidades, da chamada new age”. São círculos ligados ao auto-conhecimento e ao desenvolvimento humano, em que a meditação, o ioga, o reiki ou o tantra assumem papéis centrais. “Os retiros tântricos, como os do Osho, são quase um mundo à parte”, relata João.
A explosão justifica-se pela necessidade de “experimentar vivências diferentes” e de fugir das luzes que ofuscam mais do que deixam ver. “Não é por acaso que esta tendência cresceu a par com a do turismo rural. Muitas vezes os dois conceitos confundem-se e os promotores de turismo já perceberam que há nos retiros um nicho de negócio muito interessante”, analisa o ex-jornalista. Embora este tipo de eventos não faça parte de uma actividade controlada, a gestão do blogue Escapadinhas Espirituais dá uma ideia da dimensão do fenómeno: “Todos os dias me chega informação sobre novos retiros de Norte a Sul do país.”
Mas há quem defenda que o conceito de retiro não deve ter lugar nem hora marcada. “As pessoas têm de saber o que é, para elas, um refúgio. Não é algo baseado no tempo e no espaço. É algo onde encontro a verdade, um lugar seguro, precioso, onde nos podemos apoiar”, conta-nos o monge Ajahn Vajiro, natural da Malásia, economista de formação e a viver em Portugal desde 2012. Encontrámo-lo depois de cruzarmos uma localidade chamada Paz, entre Mafra e a Ericeira, no Mosteiro Theravada da Floresta. Pronunciado o nome, pensámos nisso: uma floresta imensa com monges que caminham descalços entre o expectável pinhal — o de Frades. Mas o lugar que encontramos é um terreno com duas vivendas normalíssimas à face da estrada nacional que ruma à praia. Quem passa não vê um mosteiro, mas as pessoas vão sabendo que ele existe. “Vestidos desta maneira [com as vestes budistas, cor de açafrão], fazemos virar mais cabeças do que uma mulher bonita”, brinca o eremita.
Aqui não se organizam retiros. Os monges teravada (tradição budista tailandesa) têm sempre a casa aberta a quem chega. “Há pessoas que vêm cá por umas horas, dias, semanas, meses, até anos”, refere Ajahn Vajiro. “Temos essa porosidade”, porque o lugar depende da generosidade das pessoas (os monges teravada são mendicantes), que aqui funciona como “uma energia alternativa”.
“Se quiser trazer alguma fruta e salada, agradecemos.” Foi esta a única “condição”, comunicada por Dhammiko Bhikkhu, para nos refugiarmos na filosofia teravada por um fim-de-semana. Mas há regras a cumprir e erros a cometer. O primeiro é querermos cumprimentar o monge com um aperto de mão, quando o toque é evitável. O segundo é oferecermos companhia para a caminhada de domingo. “Normalmente vamos sozinhos”, explica-nos amigavelmente.
Fora isso, o pequeno-almoço é as 7h, o almoço às 10h30, a hora de recolhimento às 21h30 e o silêncio absoluto. Os pujas (meditações) são às 5h e às 19h30, todos os dias. Não há jantar. De um lado fica a casa dos monges, do outro a dos visitantes, que lhes preparam as refeições e cumprem tarefas de jardinagem e manutenção do espaço. Não se trata de uma troca, mas da generosidade a percorrer o espaço.