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Em busca do tempo perdido

A luz

No quarto frio de Pinhal de Frades, a respiração sai em forma de nuvem e a luz vai persistentemente abaixo. Um dia também se terá refugiado nesta casa (não por motivos espirituais, certamente) Álvaro Cunhal, conta-nos um dos monges. “Esteve cá dois ou três anos depois de ter sido preso. As pessoas vinham e davam-lhe comida.” Período mendicante.

O cobertor eléctrico é, neste momento, o nosso melhor amigo. À passagem de camiões na nacional, a janela estremece, e às 21h30 não há sono que pegue. Mas tenta-se com muita força, porque meditar às 5h implica levantar uma hora antes.

Na madrugada, a meditação é um estado de dormência que se apodera das pernas. No silêncio há silêncio, nos cânticos há transe. Lá fora, o dia vai crescendo. O sol nasce devagar, as moscas voam devagar, os galos acordam devagar. Concluído o exercício, Caroline tira ervas daninhas do jardim, Miguel diz-nos que os monges não gostam de muita manteiga nas torradas. Fazemos uma pilha delas e jogamos às perguntas e respostas, sobre o antes e o depois do budismo. “Antes agarrava em algo e ficava a segurar. Agora agarro mas não com demasiada força”, responde o budista de 53 anos, em retiro prolongado em Pinhal de Frades.

Dhammiko Bhikkhu concordará. Vem ao longe, na sua veste alaranjada e uma figura que faz acreditar que nasceu monge. Afinal estudou Engenharia Agrícola, teve uma vida académica como muitos outros, entre festas e copos, fumou até 2002. Mas começou a achar-se “preso aos hábitos, naquele ‘rame-rame’”, e foi à procura de respostas numa viagem pela Europa — sem álcool, sem cigarros, sem carne. “O que me interessava não era bem ser monge, mas fazer uma limpeza espiritual”, conta, sobre quando passou a concentrar os interesses no budismo, no ioga e no gnosticismo. Começou a sentir leveza. “Nos jejuns é como se apurássemos as antenas todas”, descreve. Virou-se então para dentro, deixou de “procurar o bem-estar fora” de si.

Para Miguel, o “momento do clique” deu-se em 2007, quando conheceu uma mexicana em Marrocos. “Foi ela que me falou dos cursos de vipassana do goenka [técnica de meditação numa tradição não sectária do budismo], e rapidamente fiquei apaixonado pela meditação.” Frequentou seis cursos, o que significa 60 dias de silêncio. Sobre a meditação, diz que não há regras nem receitas. “O importante é observar é a anitcha”, ou seja, a impermanência”, porque se tudo é temporário, o sofrimento deixa de fazer sentido.

O grande espírito

No mundo dos retiros, há mestres vindos da América Latina para organizar eventos em Portugal e portugueses que aprenderam as técnicas do xamanismo (prática espiritual, médica e filosófica ancestral dos incas) para partilhá-las. Helena Pereira introduziu em Portugal o movimento munay ki (uma vertente do xamanismo que invoca o poder do amor) com a holandesa Terri van Ommen, em 2011. É professora de matemática — “mais céptica do que isso não podia ser” — e “inicia pessoas nos rituais da tradição q’ero”, uma tribo refugiada nos Andes, acima dos 4200 metros de altitude. Consta que usam um sol ao peito e que carregam no espírito a profecia do fim do modo de pensar e de viver actual. Referem-se ao colapso do paradigma ocidental e ao retorno à natureza. Para esse regresso às raízes, estão a trabalhar os novos guardiões da Terra, formados em cada retiro munay ki.

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