Fugas - Viagens

  • António Sacchetti
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Miradouros: Outeiro de São Pedro, o bastião defensivo

A passear o olhar para os lados de Abrantes.
Olhando para um mapa de Portugal, Abrantes encontra-se aproximadamente no centro de gravidade do território. Esse facto parece ter marcado a sua história como ponto de convergência de estradas e como lugar de passagem e atravessamento do Tejo. Por outro lado, a sua posição alta, emergindo da planície e elevando-se a quase cem metros acima da paisagem das baixas do Tejo, que curva ao longo do sopé da colina de Abrantes, conferem-lhe qualidades de ponto estratégico militar. Foi aí “que o Mestre de Avis reuniu as suas forças às do Condestável para, seguindo o conselho deste, ir cortar em Aljubarrota o avanço dos invasores castelhanos. (... ) Mais tarde durante as guerras que se seguiram à conspiração de 1640, Abrantes voltou a desempenhar um papel importante, e desde então, no decurso de todo o século XVII, o seu valor militar foi constantemente encarecido.” (Santa-Rita Fernandes, José D., Abrantes Cidade, ed. Câmara Municipal de Abrantes, 1966, p.9).
 
O Outeiro de São Pedro é um bastião defensivo que aproveitou um esporão natural a sul do castelo de Abrantes e sobranceiro ao Tejo, um miradouro sobre toda a paisagem e sobre o qual se celebra o talento militar da cidade como ponto de convergência e organização de tropas. Quem fizer a guarda a partir deste castelo assegura uma vigilância completa sobre milhares de hectares de planícies e vales que se abrem sobre o Tejo e horizontes de cordilheiras longínquas a toda volta. 360º graus de visão completa garantem, a partir do castelo, um controlo sobre os ataques surpresa dos múltiplos inimigos que desejaram conquistar esta paisagem.

Em 1281 o castelo de Abrantes foi oferecido como dote pelo Rei D. Dinis à sua Rainha Dona Isabel (a futura Rainha Santa) em conjunto com Óbidos, Alenquer e Porto de Mós. Em cada um deles a beleza das vistas é soberba e a qualidade de cada sítio faz deles um presente único, símbolo de amor e de respeito. Ou será sinal da enorme admiração do Rei poeta pelas qualidades excecionais da Rainha Santa?

A função defensiva dos castelos, em épocas menos guerreiras, confere-lhes grandes qualidades de miradouro. Na velha paisagem do nosso país estes castelos miradouros já têm milénios de povoamento a confirmar a escolha do sítio, com vistas em todo o seu redor e uma história que enriquece a experiência do visitante. É o caso do Outeiro de São Pedro, no qual o monumento a D. Nuno Álvares Pereira acentua a beleza da paisagem e a memória de defesa militar.

Os muros do baluarte em xisto servem-lhe de enquadramento. São baixos e quase podiam ter saído de um desenho contemporâneo, pois a inclinação e as aberturas para os canhões que serviam a defesa da cidade têm linhas minimalistas, despojadas e, mesmo só com intenções funcionais, conjugam-se na perfeição com o monumento, que, esse sim, é todo ele modernista.

Neste conjunto de linhas em harmonia destaca-se a cruz enorme e larga para se ver de longe, a partir das planícies verdes cobertas de milho onde outrora havia trigo e onde avulta o casario das povoações do Rossio ao Sul do Tejo a sul e de Alferrarede a nordeste. Para nascente, na paisagem rural mantida durante séculos surge uma dissonância que a indústria impôs e as enormes chaminés da central a carvão do Pego criam um volume brutal que rompe a escala e harmonia deste final da lezíria do Tejo.

O monumento a D. Nuno Álvares Pereira é feito de uma só peça de betão moldado que sobe em faixas irregulares como vigas encostadas sem simetria ou um feixe de toros de madeira que se reduz até ao cimo. No topo, uma saliência inflecte o sentido ascendente e dela parecem sair mosaicos encaixados no topo das vigas. É uma obra pura nas suas linhas modernistas e o feixe de peças encostadas cria um espaço vazio interior para onde entra a luz coada pelos mosaicos. São seus autores o arquitecto Duarte Castel-Branco e o escultor Lagoa Henriques, que souberam criar no outeiro um local de serenidade onde se ajoelhava (antes de ser roubada há anos, em período de alguma turbulência e descontrolo) a estátua de D. Nuno Alvares Pereira com as mãos em posição de prece, da autoria do escultor. Neste gesto e neste recolhimento sentimos a fragilidade de Portugal e a grandeza do Condestável, que aqui neste sítio garantiu a continuidade do Portugal em 1385 com coragem, estratégia e uma enorme capacidade de mobilizar homens para a defesa da Nação.

Foi aqui, onde a imensa vista se mistura à emoção, que se deu o momento de viragem de Portugal: para aqui se chamaram os homens para juntar forças e resistir aos assaltos do inimigo, aqui se organizaram as tropas vindas desta planície vasta cortada pelo curso do Tejo, aqui se celebrou a missa e se exortaram os homens antes da partida para Aljubarrota. É dessa missa, desse momento de união e de submissão a um Deus protector que fala este monumento e fala ainda com muita eloquência, mesmo assim cheio de grafitti, com os mosaicos partidos, já sem as letras de cobre que contavam esta bela história e sobretudo com a estátua de Nuno Álvares desaparecida.

Para este miradouro histórico valia a pena canalizar os esforços de um restauro. A qualidade estética e paisagística, para não falar da evocação histórica, bem o merece.
 
Outeiro de São Pedro
39º 27’ 43,11’’N, 08º 11’ 34,82’’W
Abrantes
Visitável
 

Miradouros de Portugal
São 20 os miradouros destacados nesta série que vão levar o leitor a visitar, em Portugal continental, um “lugar elevado de onde se avista um horizonte largo”. São o nosso património das vistas: 
1. Penedo Durão
2. Nossa Sr.ª da Saúde
3. Forte de Almeida
4. Fragão do Corvo
5. Covão da Ametade 
6. Castelo de Montemor-o-Velho
7. Miradouro da Bandeira
8. São Pedro de Moel
9. Sítio da Nazaré
10. Pedreira do Galinha
11. Outeiro de São Pedro
12. Forte de Paimogo
13. Ponta dos Corvos 
14. Cabo Espichel
15. Castelo de Marvão
16. Forte de Nossa Senhora da Graça
17. Cromeleques dos Almendres
18. Cabo Sardão
19. Cabo de São Vicente
20. Cacela Velha

Pela Equipa ACB Paisagem  

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