A importância dos autocarros
Mas, mal a Penny Lane se lança nos braços da Church Road, uma construção em obras destaca-se numa espécie de rotunda, como uma ilha, rodeada de grades — existem planos para ser transformada num centro de memória do grupo de Liverpool depois de ter acolhido, durante alguns anos e até ser votada ao abandono, o restaurante Sgt. Pepper’s Bistro, qual chamariz para atrair as multidões de fãs que todos os dias deambulam por este subúrbio da cidade.
Behind the shelter in the middle of the roundabout
A pretty nurse is selling popes from a tray
And though she feels as she’s in a play
She is anyway
Neste antigo abrigo, por essa altura decorado com colunas pintadas de branco, tanto John Lennon como Paul McCartney eram obrigados a mudar de autocarro nas suas frequentes deslocações entre a casa de um ou de outro ou o lugar onde simplesmente se encontravam, conforme reconheceu este último numa entrevista, há já alguns anos, à revista Clash.
Vários autocarros ligam Penny Lane ao centro de Liverpool e esse é o meio de transporte que utilizo enquanto escuto In My Life, publicado em 1965. E não é por acaso.
There are places I remember
All my life though some have changed
Some forever not for better
Some have gone and some remain
All these places have their moments
With lovers and friends I still can recall
Some are dead and some are living
In my life I’ve loved them all
Emoldurada pela janela, a cidade, na sua rotina diária, vai passando ao meu lado, a uns olhos seguramente menos atentos do que aqueles que John Lennon pousava nas suas ruas, nos seus prédios e nas suas gentes ao longo das suas frequentes viagens entre Penny Lane e o centro. Na verdade, In My Life, a letra original ,descrevia, com mais detalhe, esses percursos do compositor assassinado em 1980 em Nova Iorque:
Penny Lane is one I’m missing
Up Church Rd to the clocktower
In the circle of the abbey
I have seen some happy hours
Past the tramsheds with no trams
On the 5 bus into town
Past the Dutch and St Columbus
To the Dockers Umbrella that they pulled down
As cortinas do céu estão fechadas, vestem-se de um cinzento escurecido e uma chuva miudinha, teimosa, recebe-me na zona comercial da cidade, abraçada por um incessante formigueiro humano carregado com sacos de compras. Para um lado e para o outro, como um polvo, estende-se o ONE, o maior centro comercial de todo o país a céu aberto, com mais de 160 lojas e restaurantes, 14 salas de cinema e um parque (Chavasse) com uma área superior a 20 mil metros quadrados, um projecto que contribuiu decisivamente para impulsionar a economia local — Liverpool apresenta taxas elevadas de desemprego e é muitas vezes apontada como um mau exemplo em Inglaterra.
Em breves minutos, chego à Albert Dock onde, como quase em todo o lado ao longo da minha errância por Liverpool, dificilmente se consegue escapar ao culto de John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr, impregnando o espírito com um certo sentimento de familiaridade. Por alguma razão, o poeta americano Allen Ginsberg professava, já em 1965, que Liverpool era “o centro da consciência do universo humano” e também não é por acaso que a urbe se orgulha de ser aquela que mais bandas e cantores colocou nos tops de vendas em todo o mundo. A maior parte das vezes por culpa dos Beatles mas alargando-se, em menor escala, a outros como os Echo & The Bunnymen, Orchestral Manoeuvres in the Dark, La’s e Frankie Goes to Hollywood, responsáveis pelo mediático Relax, eternamente presente numa metrópole conhecida pela sua cultura gay.