- Tenho tão bem presente a imagem de um urso a beber água e a abanar-se mal se apercebeu da nossa presença. Rugova está sempre a supreender-nos, enfatiza Rina Cukaj.
Ainda que apenas em alguns locais específicos, o urso castanho é um dos animais que se podem ver em Rugova, bem como o javali, o lince, o veado, a raposa, a cabra, a galinha, o peru (selvagens) e mesmo a águia castanha. Dependendo do clima, há um total de quase 400 espécies de plantas (e não faltam frutos silvestres) identificadas nestas montanhas também caracterizadas pela sua multitude de habitats.
De boleia em boleia, tentando compreender e fazer-me compreender enquanto perscruto a natureza através da moldura da janela cheia de pequenas gotículas, chego a Bogë, toda caiada de branco, como uma mortalha. Considerada o berço do esqui no Kosovo e nos Balcãs (desde 1974), Rugova tem em Bogë a mais moderna pista mas há outras, como em Stankaj, onde a prática também é possível (Brezovica, a 40 quilómetros de Prizren, é, no entanto, o maior centro de esqui do país). Mas foi em Bogë que se fundou o primeiro clube, o Rusolia (com uma participação nos Jogos Olímpicos de Inverno), e é em Bogë que se encontram duas escolas de esqui (Dardani e Ke Luani).
Um homem, simpático, encaminha as vacas ao longo da berma da estrada e aconselha-me a não me demorar, com receio de que se abata uma tempestade sobre a aldeia que me impeça de regressar a Peja, se for essa a minha vontade. As pessoas, por estes lados, são solidárias e prestáveis com o viandante (há obras na estrada para melhorar os acessos a Bogë e os camionistas, ora subindo, ora descendo, também se detêm para me levar, mesmo que apenas por um ou dois quilómetros), sorriem com facilidade, como Rina Cukaj, que fala fluentemente inglês.
- De uma forma geral, as pessoas são simpáticas e conhecidas por nunca quebrarem as suas promessas. Mas é melhor não criar inimigos. Numa situação de conflito são más, muito más mesmo. Há histórias de famílias que viveram em guerra durante anos e anos. E, só para ficares a saber, em Rugova as mulheres são muito bonitas. Mulheres altas e fortes.
À minha volta apenas se estende o manto eternamente branco e para lá corre a estrada asfaltada com pressa de chegar a Peja. A neve cai agora com mais força. Rugova, com os seus picos nevados, parece mais admirável do que nunca. Sinto-me um forte desejo de entrar numa das casas de cujas chaminés sai um fumo azulado. Para escutar os acordes de uma velha guitarra e para ouvir uma velha canção.
A herança otomana
Nuvens cinzentas pairam sobre Peja mas, mesmo acompanhadas de uma chuva miudinha, persistente, a cidade — para os sérvios Pec — continua a viver intacta na sua atmosfera que reflecte diferentes etnias e influências culturais, visíveis nos seus edifícios que absorvem características dardanianas, romanas, bizantinas, eslavas e otomanas. Peja, com pouco mais de cem mil habitantes, é uma das mais antigas cidades habitadas do Kosovo, mencionada já nos séculos III-IV no mapa Geografia de Ptolomeu, mas quando se caminha pelas suas ruas, escutando murmúrios indecifráveis pelo meio da sua caótica organização, percebe-se que o maior legado foi deixado pelos turcos, tanto na vida cultural como espiritual desta urbe que tem apostado, pelo menos nos últimos anos, no desenvolvimento da indústria do turismo, por força da sua proximidade face às montanhas de Rugova.